Hoje eu passei em frente àquele café e vi aquela mesma mesa ocupada por dois homens. Um diante do outro. Conversa grave tivemos ali. Pensava se eles tinham noção do quanto eu já me rasguei em pedaços naquela mesma posição. Mas não. Nem me viram, nem noção, nem nada. Tampouco aquela cadeira se deu conta, ou os guardanapos da época — testemunhas não oculares da minha espoliação moral —, que certamente já se consumiram. A mesa, em si, pode ser, inclusive, que seja outra e esteja num canto outro do salão. Mas eu penso na gente ali, numa manhã ensolarada, comigo dizendo: "Fica! Vamos tentar!", enquanto suturava as gretas do peito, silenciosamente, diante de condições tão injustas com meu amor tão bonito.
Ver isso me fez pensar naquele aeroporto, naquela zona de embarque que, da última vez que passei por ela, havia sido alterada de modo que, fosse hoje, não poderíamos haver sustentado por tanto tempo o olhar. Eu me lembro de mim mesmo quase que em terceira pessoa, me arrastando pro raio-x com minhas malas excessivas e meu coração sempre pesando mais de 23 kg, estirado feito um chiclete já sem doce e pingando por todo o caminho que ficava entre eu e você — mais de cinquenta metros de distância. Eu gritava a dor que era uma despedida, coisa sempre inadmissível pra mim. Ficou aquela zona de embarque distante. Aqueles funcionários talvez nem sejam mais os mesmos. Eu, dizendo, ensandecido: "Salta essa catraca, vem comigo, seja lá pra onde for", diante de uma fé cega e umas duas ingenuidades tão condicionantes.
Lembrar dessa despedida me remeteu àquele condomínio popular que ergueram sobre o pátio onde eu, de mãos dadas e indo na contramão de pra onde apontava o meu pequeno coração — recém-saído da caixa naquela época —, torcia dolorosamente o pescoço pra olhar pra cima e te ver acenando da janela, separada de mim por imperativos categóricos em forma de barras de ferro. Eu, que me levantava triste sem nem saber reconhecer a tristeza, ia de encontro a um encontro com hora pra acabar, sabendo que me esperava, após o encontro, a despedida excruciante. Escrevia, naquela época, eu sei, cartas que fazem bem mais sentido hoje do que quando as escrevi. Me pergunto se ali eu já escrevia pra mim. Se deixava trilhas de pão pro homem que sou refazer o caminho e voltar naquele pátio a recuperar meu pedaço menino deixado ali, olhando pra trás — sequestrado por um abandono irremediável promovido por nada mais do que as circunstâncias mesmas de haver nascido. Irresgatável. Mas o pátio se foi. Ergueram-se casas no lugar onde hoje mora gente com vida e tudo, diante das quais eu passo vez ou outra. Eu já escrevia o que, em vocalização, já falhava; eu só sentia um sei-lá-o-quê diante da incondicional separação concreta de quem, por natureza, deveria estar sempre perto de mim.
E foi assim que os pátios foram demolidos, as zonas de embarque alteradas, as mesas do café reabitadas. A porta do cinema fica, a cena da despedida se vai. A zona portuária fica, o par de turistas se vai. As janelas mudam seus inquilinos. A árvore e sua sombra sobrevivem à nossa estadia. A entrada da emergência recebe novos doentes, que já nenhum deles é o meu. A minha vida vai assim se espalhando feito um objeto que se esmigalha e deixa farelos por um mundo que sobrevive a mim. Vou eu compondo um banquete invisível, porém farto, para que a senilidade um dia possa consumir. E eu vou me tornando tão mais às custas de sobrar de mim sempre um pouco menos. Cresço e me expando enquanto me diminuo e me contraio — ambos movimentos cósmicos, acessos diversos ao mesmo destino: o desaparecimento.
Phelipe Ribeiro Veiga
15 de maio de 2025