
O coração de um amante adicto é feito pé de bailarina, destroçado pela beleza de sua arte. Quanto mais ela se castiga por seus muitos ensaios e apresentações, mais bela fica sua dança. Ela dança sobre sua coleção de abandonos e abandonados, sobre um mar de rosas (e espinhos) atirados por seu público a seus pés. O amante adicto precisa saber, mais que começar um amor, terminar (que é verdadeiramente, quase sempre, o mais difícil). Abandonar um amor é como parir um filho antes da hora propositalmente, você expulsa ele de dentro de você sabendo que isso significa matá-lo. É feito amputar o membro do corpo que te dava mais prazer e satisfação, mas que se tornou uma fábrica de angústia, e a dor de perdê-lo é menor, melhor, mais gostosa de algum jeito. É cauterizar o coração. E pra isso é preciso odiar, desprezar, é preciso virar a fantasia do avesso, começar o carnaval pelo insosso sabor da quarta de cinzas. É preciso ver o outro pelo lado de dentro (que NUNCA é belo de verdade). Há de se fazer necessária uma dose de mentiras e desilusões, demonstrações de humanidades (vulgo egoísmo e mediocridade de sentimentos). Pra se abandonar o amor não é suficiente vê-lo partir, é preciso cortar-se nos cacos que sobrarem no chão, e dançar descalço sobre eles (nas pontas), sangrar e fazer doer muito e amiúde, até que de tanto excesso sobre nada, não sinta pés, mãos, olhos ou pulsação, resta ali você, tabula rasa pronto pra amar de novo. . Ao lado jaz uma lápide, um aborto vital que agora aduba o seu jardim, nutre sua dança, seus novos amores. No fim o que se vê é uma estupidez enterrada, e na lápide está escrito "Aqui jaz um acidente, o que não deveria ter sido".
Phelipe Ribeiro Veiga
11 de Agosto de 2011 - 16:09