quinta-feira, 15 de junho de 2023

Sobre a estação Montevideana




Sento e contemplo a partida de mais uma balsa rasgando as águas com gente acenando ao que fica e mirando no que há nesse horizonte plano tão cheio de relevos invisíveis.
Ali sentado no banco à beira do Rio assisto a partida. por que todo mundo logra partir e eu só consigo estar partido? Seria isso parte de minha oficiosa vida de vendedor de tickets alheios? Ganho a vida contemplando destinos, averiguando possibilidades de outros, mas meu crachá segue pendurado na altura do peito que levo tão partido que nem se reconhece como tal. Uma âncora credencial descansando a seco sobre um coração em pó. Um punhado de areia sem água que lhe faça praia. Uma beira de rio em época de grave estio. Uma poeira terrosa que a brisa afaga mas que se nega a carregar-la pelo muito peso e densidade que tem. Faz já muito tempo que sonho com essa fuga Montevidana. Mas parece que por mais que caminhe é só por dentro dessa mesma estação na qual sigo residindo. Restando. E é por dentro dessa exposição que me arrisco e dou meia volta. Na impossibilidade de avançar eu fuxico o ontem em busca de algum amanhã. “Vuelvo al Sur”, afinal, “Oeste é meu norte”.

Ando "fazendo festinha em mim mesmo como um neném até dormir", e é o que tem dado pra fazer. Tenho comemorado todas as festas e chorado todos os eventos aqui mesmo, na estação, segurando esse bilhete vencido, amassado, sem data ou destino com as duas mãos. Não é o que queria pra mim mas é o que tem dado pra fazer. Ser e estar da melhor maneira que dá. Não há tudo ou mesmo muita coisa, parece, mas alguma coisa ainda há. 
E aqui sigo sentado, vendo mais uma balsa zarpar.

Volto ao sul. E o sol do céu do sul, já tão sem dono, é frio. Invernal. Volto ao sul tanto quanto se é possível voltar a qualquer lugar. Volto ao sul em busca de uma absolvição qualquer, uma solução (salobra) ou um batismo no Rio da Prata que me faça nova criatura e me ajude a desancorar. Volto como quem volta mas tentando avançar. E a impossibilidade se senta em meu peito e me impede respirar.
Não se equivoque, me quero(,) bem.


Montevideo, 15 de junio de 2023

Phelipe Ribeiro Veiga


“E o meu coração embora finja fazer mil viagens fica batendo parado naquela estação” (CV)

Aprenderás a llevar tu vida en una maleta

Y cuando la pena aprieta se llora antes de cantar” (Canca)



Sobre as meninas de bicicletas.

Hoje passaram por mim duas meninas em bicicletas sem rodinhas. Me transporto instantaneamente àquele dia em que, pela primeira vez, eu, com ...