sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Sobre um nado livre.








O copo transbordou e virou. O recipiente para o qual eu escoava todo o meu amor, minha expectativa de futuro, de correspondência, de acolhimento virou. Jorrou por sobre a mesa e agora escorre pra todos os lados. Distribuo o meu momento áureo como quem acende uma luz negando-se a vestir qualquer foco limitador. Eu quero brilhar em todas as direções. Abri o armário e tirei as roupas que a alfaiataria do meu desejo passou anos tecendo sob medida e hoje eu oferto, com os reparos possíveis e ajustes necessários, a quem possa ficar bem nelas. É sobre mim! Eu emergi da condição de acompanhante e agora eu quero é a companhia. Quero que vejam a imensidão do meu coração. Que o apreciem, que o valorizem sem atrasos grandes. Quero ser. Fazer. Estar. Gozar. A mesa pinga sobre o chão e eu, sentado ali frente a cadeira deixada vazia, assisto tudo escorrer sob o som do elogio tardio de "você é tão bonito". É verdade que seguir a despeito desse eco é ainda nadar na contramão da correnteza. Represei tantos rios pra que pudesse correr caudaloso em mim que agora toda uma reestruturação se faz necessária, para que tudo corra para minha própria conveniência. Mas é também verdade que descobri em mim a perícia de um nadador olímpico. Minhas largas costas que afagavas enquanto dormia já não suportam o peso solitário de fazer o que éramos parar de pé, elas sustentam as braçadas borboleta de minha aventura contra o sol. Se me interpelam, eu digo que não quero abrir mão de nada. Sou impertinente, intransigente, empertigado. É de uma reparação de mim para comigo que se trata. Eu quero e logo eu me oferto o que eu necessito. A escassez me fez faminto. A rejeição me fez ávido. A frustração langorosa me tornou impaciente. Hoje eu sou e exijo a consideração como condição primeira. Nada menos. Eu peço desculpas aos que eu esbarro, lamento imensamente na minha estrutural docilidade de ser que tenha que abalroar embarcações alheias vez ou outra, queria que não precisasse ser assim, mas é essencial e urgente que eu navegue impetuoso. Isso porque é grave a chance de domesticação da minha natureza, e eu não quero isso nunca mais. Eu me devo isso. Quanto às roupas que não couberam em ninguém mais, as que levam marcas do seu uso, do tempo em que nos vestimos em par, compondo fantasias em tantos carnavais, das lembranças e dos momentos, as guardo, não vou mentir. Ainda não há tecnologia em mim que me ajude a adaptá-las todas, a doá-las a outros ou a me desfazer delas. Mas sigo a despeito delas. 
Há duas noite vi um filme que você me apresentou, e quanto sentido havia ali do que viríamos a enfrentar e que, no começo de tudo, passou desapercebido. Na noite passada também sonhei contigo, e me manteve desperto um conjunto de sensações e hipóteses de fatalidades. Frente a tudo eu me vejo sem alternativas. Resignado. Ficou assim estancado. O que fomos é uma ilha (fluvial) de impotência no meu fluxo atual de potência. E é nessa potência que eu vou me havendo com os espólios em um compromisso absoluto com meu nado livre. 
Desculpe. 
Há que ser. 
Há de estar. 
A vida é assim:
trágica e épica. 
E ambas as dimensões dela nadam a-braçadas. 
Eu vou junto. Me levo junto.
Há. 

Phelipe R Veiga
Rio, 31 de Janeiro de 2025


 "Lugia, Ho-Oh, cabrón, yo soy legendario" (BB)


Sobre um nado livre.

O copo transbordou e virou. O recipiente para o qual eu escoava todo o meu amor, minha expectativa de futuro, de correspondência, de acolhim...