Hoje eu percebi um pelo branco no meu braço e lembrei de você. Pensei nos seus olhos infantis. Na sua gargalhada hipersônica. No seu sorriso amplo o suficiente pra que num tempo de 3 segundos o sol nascesse no leste de seus lábios, cruzasse todo o céu de sua boca e se pusesse a oeste dos mesmos lábios. Eu vejo o pelo branco do meu braço e penso nos 16 natais que você perdeu, nos pequenos e nos grandes eventos, em todos os fevereiros não celebrados mas sempre lembrados. Penso também, inevitavelmente na linda e frágil flor que você arrancou do meu peito violentamente com raiz e tudo, e que até hoje deixa terra revolvida. Nunca mais voltou a crescer tamanha inocência de flor. Parece que você levou um sei lá o que meu contigo sem chance de recuperação. Eu pensei nas rugas que você nunca terá, nas marcas de expressão, de choro ou riso, que seu rosto nunca irá me mostrar. Pensei na sua cara feito uma máscara estática que me olha de volta na esquina da rua Estado de Israel, semi distante, acenando uma última vez, outra e outra vez. Pensei em quanto abraço guardei nesses anos, em quanta novidade não pude compartilhar com você, quanto ombro pra chorar minhas dores você não pôde me dar, e em todas as piadas sem graça que você deixou de contar pra rir sozinho de cada uma delas como você fazia. Pensei nessa hipotética vida em que você nos poupava a todos de tão grande estupidez. Em realidades onde éramos amantes, noutras onde éramos grandes amigos, umas ainda onde seríamos distantes conhecidos, mas que em todas, de algum modo, eu ainda te saberia por aí, sendo, estando para além de em meu peito alvejado. Eu pensei em todas essas coisas enquanto caminhava de uma plataforma a outra, carregando minha garrafa de água numa mão, um coração trincado no peito e um pelo branco no braço direito.
Phelipe Ribeiro Veiga
Rio, 19 de março de 2025