domingo, 16 de novembro de 2025

Sobre as meninas de bicicletas.




Hoje passaram por mim duas meninas em bicicletas sem rodinhas.

Me transporto instantaneamente àquele dia em que, pela primeira vez, eu, com minhas pernas compridas de criança-grilo, consegui fazer mover a bicicleta emprestada, tomada numa tarde enquanto matava aula. Eu tomei a bicicleta naquele dia com a determinação de que conseguiria. Sozinho, ali na rua sem saída em que morava, enquanto todas as outras crianças da rua estavam na escola, enquanto todos os adultos estavam tranquilos no trabalho me imaginando seguro na sala de aula, eu alcancei o meu objetivo.

Lembro do instante. Da sensação momentânea de que agora as distâncias mudavam de medida. De que eu poderia cruzar o bairro, ir de uma ponta à outra dos trilhos de trem que cruzavam o distrito numa outra dimensão de velocidades. Pouco me importava que eu não sabia descer da bicicleta, que dependia dos escassos meio-fios. O que importava é que eu conseguia montar nela e me mover.

Lembro do frio na barriga. Lembro do medo, meu sentimento de estimação. Eu, criança amedrontada, com medo de cair, com medo de não passar de ano, com medo de que meus pais um dia nunca mais voltassem, com medo de nunca ser amado. Cada pedal funcionava como uma coreografia composta pelo pé direito do medo e pelo pé esquerdo da coragem. E, nesse intermitente revezamento, sigo a vida até o dia de hoje, movendo-a, tendo para cada passo direito um medo, para cada passo esquerdo uma coragem — e assim sucessivamente. Caminho, avanço, sabendo que as distâncias da vida não diminuem. Só se fazem maiores, não importando se monto bicicletas, motos, carros, aviões ou foguetes interestelares. Medo e coragem.

Sigo pedalando atrás de recuperar aquela fantasia do instante em que pensei que poderia ir aonde queria, cruzar a distância que fosse. Desejo que desfrutem bem dela, meninas. Desfrutem bem dela!

Phelipe Ribeiro Veiga
Rio, 16 de novembro de 2025 - 13h58




Sobre as meninas de bicicletas.

Hoje passaram por mim duas meninas em bicicletas sem rodinhas. Me transporto instantaneamente àquele dia em que, pela primeira vez, eu, com ...