quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sobre um olhar Concreto do homem.



"Homens! Deus não os criou, os espirrou sobre a terra! E eles se valem dessa garbosa ideia de que toda criação os inveja por que sentem amor! São umas bestas guiadas pelo cabresto desse sentimento idiotizante que só faz prometer e não cumprir, só faz adoecer e se pesar o peito deles! Invejá-los por quê? Eu, escada que sou, antiga, construída há tanto tempo à beira mar já vi muitos deles por aqui. Vi mais inconstância nos dizeres dos homens que nos formatos das ondas que defronte mim estouram há tantas e tantas décadas. Eu fui construída por um velho senhor que gostava de sentar-se aqui pra ficar olhando pro mar. Sempre o achei meio triste, achei que havia perdido alguma coisa, ou alguém, ele costumava chorar olhando o mar, como que esperando que clandestina nalguma embarcação retornasse alguma coisa há muito perdida, ou jamais encontrada. Sussurrou uma ou duas vezes uma palavra chamada "saudade", a qual para mim não faz nenhum sentido. Ele vinha aqui toda tarde ofertar lágrimas ao mar. Já eu, sua criação útil, funcional, era útil enquanto ele exercia o vazio de sua existência. Porque eu, em todos os meus anos erodidos de escada que sou compreendi que, penosamente, os homens não servem pra nada, e sabem disso. Eu sirvo pra subir, descer, sentar pra namorar, pra ver o mar, até pra sem-vergonhices de noites de verão eu já servi pra casais lascivos ou segregados, mas e os homens? Servem pra nascer, servem pra sentir saudade e morrer. E eles acham mesmo que eu vou sentir inveja deles? Agora meu velho criador se foi já tem muitos anos. Os homens farão uma ciclovia, e eu hei de ser partida, derretida, assumirei outra função, e os homens continuarão a sentar-se aqui, reclamando minha ausência chorosamente, exercendo sua inutilidade de ser. Daí levantam e seguem a vida inventando coisas mais úteis que eles, inventando problemas pra resolver, miseráveis com seu valioso amor. Valho-me de ter sido mais concreta nesses anos meus que todos os sonhos desses mancebos bostinhas e apaixonados que sempre vem aqui recitar palavras que dizem ser bonitas, mas que a mim são só sussurros que insistem em me despertar de meus pensamentos de escada que sou. Os homens não aprendem, acham que dominam o dedo do pé, o peito apaixonado, o mundo selvagem e a vida vivida. Eles ignoram que há poucos dias em que se vive a vida, na maioria dos dias é a vida quem vive a eles, consumindo-os sob o sol, numa rotina que mente, faz não sentir o tempo, carregando-os pela mão pro destino de todas as coisas não concretas como eles. Eu derreto-me e viro ciclovia, os homens? Derretem-se vivos, não viram nada, continuam homens, e morrem assim, homens. É, ser homem não deve ter sentido nenhum, nenhum."

Phelipe Ribeiro Veiga
12 de Abril de 2012 - 20:53


"O valor das coisas está na sua utilidade." Jaime Balmes

3 comentários:

Anônimo disse...

Posso eu dizer que contribuí com uma pequena palavra de todo o poema?? Hehe

P R V disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkk Clandestino! rs

João Nacif disse...

No fundo da alma há solidão
e um frio que suplica um aconchego

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