sábado, 28 de abril de 2012

Sobre o Adultério e as Putas.



O tempo afia, desafia. O tempo amola, o tempo me amola!
E é entre um suspiro e outro que o tempo dá é que eu vivo os dias. Dias, os argumentos contra os quais não há réplica, não há nada! 
O Tempo casou-se com a Vida, gerando assim de sua união a Morte. E eu permaneço casado com minha Razão, mulher gorda, rica, de origem cartesiana, gerando dessa união pensamentos vãos. Sustento todavia um caso de adultério enlouquecedor com minha Poesia, jovem, sempre bela, sempre diferente, sacana, sarcástica e embriagante. Aliás, nada como um adultério pra dar vida a uma vida morna por uma relação desgastada. Quantos casamentos não são as putas quem sustentam? Famílias felizes de anos, bodas de ouro e diamante, filhos médicos e doutores, e quem os sustentou? As putas! Que dó das putas e de seu cívico dever essencial! A Igreja deveria lhes prestar canonizações, sem elas que seria da Família e dos bons costumes?!
Mas voltando a mim, assim sou eu, com minha Razão taciturna, já morna. Eu e ela já não geramos nada, estamos velhos e  frígidos, mas nos amamos mesmo assim, ela me alimenta, cuida de mim, dorme comigo e me aquece a noite. Mas o que seria dessa relação sem a Outra?
A minha Poesia indulgente, de pernas grossas, de lábios grossos e mordiscados, de carne firme, de mucosas quentes, macias e receptivas. Ela, de cabelos que mudam de cor de acordo com o meu humor, ela que muda de tom de acordo com o clima e a estação. Minha poesia me cobra caro, mas é com ela que tenho gerado meus filhos mais amados. Visito-a no escuro, nas noites de ócio. Adentro seu corpo, labirintiforme, venço seus muros, suas charadas, desbravo seus segredos, e ela se ri de mim! Safada! Ela me alegra! Ela me sustenta! Eu chego bem aprumado, sério, e ela me faz cócegas na mente, no corpo, na alma! Ela me reaviva prazeres antigos, mexe no meu passado, futuca o meu futuro e incomoda-me do meu presente. Ela jamais me quis só pra ela. Certa vez disse-lhe que não voltaria para casa, que ficaria com ela. Ela me encarou a frio e disse "Está louco?!", e disse-me que não fora convidado para ficar. Eu a entendo. Estar ali todos os dias, vê-la acordar, se arrumar, se pentear, resmungar da vida, ah isso a mataria em mim. Ela é minha fantasia, e ela sabe disso. Ela sabe que me ter sempre seria me perder pra sempre. Ela além de tudo é muito espera (como toda mulher pode, apesar de nem sempre querer, ser).
Por fim eu a pago o devido reconhecimento, asseguro-me de seu prazer, satisfação e sustento. E me vou sério, com um sorriso preso por debaixo da máscara de homem sério de casamento estável. A Razão? Dorme tranquila, encolhida, esperando-me leal de minhas bebedeiras para voltar a me sustentar amanhã! E eu? Retomo meu lugar ao seu lado... que noite!

Phelipe Ribeiro Veiga
28 de Abril de 2012 - 14:05


"O adultério é a aplicação dos princípios democráticos ao amor." H. L. Mencken

2 comentários:

Ingrid disse...

gostei Phelipe..
beijo.

Husky disse...

"O Tempo casou-se com a Vida, gerando assim de sua união a Morte."
Muito lindo!

Sobre um cofre no peito.

É de uma longa caminhada que venho, e foi nesse processo de muitos anos que fui aprendendo a sanear meus comprometimentos. Não por mero rigo...