segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Sobre repartir.






Quem parte, reparte 
a alma em pedaços e os divide. 
É o que fica que conta a história, 
suas versões e suas aversões. 
É quem fica que narra. 
Quem vai terá ido. 
Vira sombra. 
Pantomima. 

Partir é virar anedota casuística pro desejo do outro. 
É ser tema nunca frequente. É tornar-se quebra-molas de conversações numa mesa de bar. Partir é estar presente, várias vezes, em pequenos silêncios. Em cantos vazios da cidade. Esquinas. Plataformas de metrô. Até mesmo canções. É estar pra sempre sentado numa mesma cadeira de um quarto, com uma voz sempre igual, com a mesma risada, eternamente. É habitar um espelho não estando mais ali. É viver repetidamente a mesma cena, mesmo nunca mais voltando de fato à ela. É ser visto sem que te possam enxergar. É ser brinquedo pra memória do outro. Partir é habitar invisível, por vezes, sutis sorrisos acompanhados de choro, às vezes choro desacompanhado de tudo. É habitar até o esquecimento. É ser agulha, acupuntura da saudade. 

Partir é repartir-se e compartir-se ao mesmo tempo. 
 
É fazer-se em pedaços. 
É dividir-se nessas partes nunca iguais 
nem sequer a elas mesmas. 

Partir é ficar espalhado por aí,
mesmo indo embora pra sempre 
ou sempre indo embora.

15 de fevereiro de 2021, 13h27
Phelipe Ribeiro Veiga

"(...) tomou o pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, 
e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo." - (Evangelho segundo Mateus, cap 26, v26)

"Nem tudo que acaba aqui deixa de ser infinito" - (Zelia Duncan / Edu Tedeschi)

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