domingo, 6 de março de 2016

A mala perdida.

Só quem já perdeu uma mala sabe o que é. Fica o vazio do objeto perdido. 
Como aconteceu? O que eu poderia fazer para evitar? As coisas da mala, a mala e o ocorrido se vão para trás de um véu, fazem agora parte de um mundo de desconhecidos e de objetos perdidos. Aí você vasculha o ocorrido e se pergunta qual foi o exato momento da distração, pensa na estupidez de ter acreditado nas circunstâncias, pergunta-se onde estava com a cabeça em não prever o imprevisível agora tão descaradamente obvio, critica-se por ter sido tão soberbo e confiante. A mala. O avatar de tantas perdas. A mala perdida te faz pensar quem foi que a tomou, onde estará agora, quem está usando suas coisas. Dia frio, aquele casaco, será que o estão vestindo hoje? É fim de ano, será que viajam usando minha mala perdida? Pra onde ela tem ido? Lugares onde eu jamais pisarei. A mala perdida vem sobre trilhos como uma "louco/motiva" puxando vagões, e neles há o abraço pa-terno da infância jamais repetido, o cheiro da loção da avó já falecida, o sabor do natal na infância, a sensação de ter nas mãos a lancheira do primeiro dia de aula, o amor que se foi e virou a esquina pra nunca mais voltar, o fôlego daquele dia quase mortal num ingênuo banho de mar, o não que deveria ter sido sim e o sim que deveria ter sido não, e dezenas de dezenas de últimos momentos que revisitamos tão ávidos por refazê-los. Como pudemos perder tanto? A mala, um imenso trem fantasma! De onde vem? Pra onde vai? Será que embarcaríamos se tivéssemos a chance? 
Se ao menos pudesse tê-la em mãos de novo, segurá-la. Que intensidade haveria em reaver o que foi perdido! Talvez a partir dela tudo o mais pudesse ser re-ávido. Talvez refeito ou desfeito. Talvez reaver a mala mudasse o rumo da história inteira. 
A mala segue viagem sem mim puxando seus vagões, e hoje ela só me causa insônia.
A mala, perdida.
Amá-la, perdida...

Phelipe Ribeiro Veiga

07 de março de 2016, 01h03


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