Foto: A Lenda de Narcíso
Hoje era uma manhã chuvosa, e como de costume, eu caminhava flutuante em direção ao ponto de todos os dias, olhando pro chão sem ver muita coisa. Porém uma imagem invadiu meus olhos e inundou minha mente feito uma enxurrada, me hipnotizou o asfalto molhado... aquele espelho negro reluzia uma imagem obscura de tudo que, aceso de cores, movimentava-se sobre ele. Vi a mim, disforme, obscuro, escuro, frio e duro, escorrendo chuva, tal qual este negro espelho. E como que desbravando o lado desconhecido da lua, encarei-me a mim mesmo ali...
Nesse momento veio-me a boca um amargor, daquele tipo que nós só saboreamos ao fim de cada amor. E olhei minhas mãos, e já não eram tão minhas, mãos tão sujas não seriam minhas jamais.
Meu coração sempre tão poético, soou-me tão imundo, dissonante, sem rima alguma, podrificado, petrificado, não, ele já não podia mais ser meu. Não cabia em mim, então fiz dele em minha observação um coração qualquer, e continuei olhando...
Breve meus verdes olhos que tanto gosto sangraram com as lágrimas que fiz rolar em rostos de outros, e eram rios, e aqueles rios corriam com toda a culpa que ecoa da minha não intencionalidade, das minhas palavras brandas que tentam tão desesperadamente falar sem magoar mas jamais mentir, esconder, honesto ser eu tento... porém... corria o rio, então fingi não serem meus tais olhos vermelhos...
Minha boca que tenta falar macio sempre que possivel, e expressar em grandes palavras pequenos sentimentos, na tentativa de expor a grandeza que estes tem para mim sorria e gargalhava, e berrava os pensamentos escusos e obscuros que irreemdiávelmente nego a ela a oportunidade de verbalizar, uma sinceridade sem profundidade, sem rimas, sem adereços estéticos, era simplesmente o que eu sentia e não me permitia, aqueles pensamentinhos que nos ocorrem em micro-segundos e somem sem sabermos de onde vieram ou pra onde foram, e assim, eu fingi não pertencer a mim toda aquela superficialidade e imundicie...
Então ao fim, o que sobra de mim? No fim entendo que somos apenas animais guiados por instintos e significados simulados, tendenciosamente direcionados para uma satisfação muitas vezes hipócrita, um romantismo ficcional feito por nossa mente demente para um entretenimento sempre egoísta...
Animais que aprenderam a falar, e simultâneamente, mentir, pros outros e pra si...
Vi que o lado desconhecido da lua talvez não deva jamais ser conhecido...
Mas não se preocupe, isso me ocorreu assim, por uns micro-segundos, e se foi tão rápido quanto apareceu, levantei a cabeça, olhei o céu, e voltei a ignorar isso tudo...
[PH]elipe R. Veiga
6 comentários:
é quando refletimos sobre nosso lado mais obscuro, é que aprendemos a conhecer a nós mesmos e de todas as nossas capacidades ou não. refletir sobre o pior ajuda a termos o melhor! sabendo distinguir, claro! ;)
Como eu já te disse,o final me lembrou as aulas de antropologia. Forte, pra refletir mesmo, será tão banal o jeito que vivemos (?)
LIpe acredito que exista o outro lado, mas este só serve para aprendermos a não errar os mesmos erros...Todos podemos ser "lipos" ou "sujos" basta que façamos tal escolha...
Texto profundo, que arranca larimas até do mais frio coração...
beijos sinceros
obs.:Sei que aqui nem é lugar disso, mas como quase nunca te vejo te envio por aqui mesmo...
http://recantodasletras.uol.com.br/cartas/1288856
meu texto novo sei que você via gostar...
*.*
Penso que o lado desconhecido da lua é inevitável permanecer desconhecido. Pode ser ignorado, moldado ou apenas refletido, como mais uma opção. Mas sempre volta pro mesmo ponto de onde saiu, de nossas retinas e talvez seja la que esse reflexo deva permanecer.
Belo blog, ótimo texto!
você escreve bem, excelente texto!
mas, lipe (se é que posso chamá-lo assim), fiquei um tantinho inconformada com o fato do "eu-lírico" voltar a ignorar um pensamento de tamanha importância como esse. não seria melhor investir na mudança? (não precisa me responder, rs)
boa sorte com o blogue!
Gostaria de saber o motivo pelo qual asfalto molhado nos faz refletir sobre nos mesmo...
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