Aos poucos tudo vai
erodindo. Rachaduras vão aparecendo epidêmicas, raízes vão partindo rochas e
abrindo caminhos, as águas vão amolecendo a pedra, dissolvendo a terra e
fazendo rios, curvando montanhas, sedimentando vidas mortas. O tempo com a
língua dos dias vai consumindo saborosamente todas as coisas, digerindo mundos
e produzindo novos. E nessa dinâmica atômica das coisas e suas órbitas, não sou
mais que uma partícula composta de tantas partículas de outras partículas. Meu
tempo ainda que muito será sempre pouco e a cada dia menor, porque a cada
segundo todas as possibilidades do mundo se agigantam mais e mais. E o que
faço?! Que insana atitude tomo?
Rasguei todas as
passagens, neguei todas as viagens e me conservei a beira-rio vendo a água
passar. Já não observo o rio – e ele já se acostumou a minha estadia, na margem
esquerda, sob a árvore mais folhosa. E eu mesmo já não olho a paisagem. Sou
parte dela. Se a pintam, estou lá. Se alguém a descreve a outro alguém,
citam-me. Se anoitece estou lá. Se chove ou há cheias e secas, estou lá.
Enraizei-me. Logo eu que clandestino em tantas naves de imaginação me
naturalizava em tantos mundos, eu que compunha cenas, inventava mil personagens.
Logo eu que jamais temi entalar com o mundo quando tentando tê-lo inteiro em
uma só mordida... Enraizei-me aqui à margem. A minha vida me escapou. Essa
paisagem silenciosamente amarrou meus destinos todos. Engoliu-me sem me
mastigar.
Hoje disputo meu espaço
com árvores, formigas, folhas, pássaros, esses que tem por direito seu lugar nessa paisagem, estavam lá antes de
mim – e certamente estarão lá depois de mim. Hoje percebo que distraí-me
demais. É preciso mover-me. Achar um leito onde eu mesmo seja rio, onde eu
conduza minhas próprias correntes, aninhe meus próprios pássaros, alimente meus
próprios peixes. E se por um acaso sentir falta dessa paisagem pela qual me
apeguei tão distraidamente, esticarei um ou dois afluentes, e se isso não for
possível, descanso. Certamente nos encontraremos. O caminho não é importante, o número de afluentes, os lagos que fará pelo caminho, nada disso realmente importa. Um dia, juntos desaguaremos, e então não haverá mais rio algum. Teremos sido tudo que queríamos ser, e nesse instante inevitável, seremos Mar.
11 de Junho de 2014 – 14:56
Phelipe Ribeiro Veiga
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