O dia chega.
Há uma fina camada que me separa
Há uma fina camada que me separa
de tudo o mais.
De todos.
De mim mesmo.
De todos.
De mim mesmo.
Assisto do lado de cá até mesmo as reações que eu teria em hipótese,
mas não tenho.
A cortina é transparente de cá pra lá.
Opaca de lá pra cá.
Não me veem olhar.
Não me veem olhar.
Eu assisto, silencioso,
num entre lá e cá,
num "tédio de ser" e de estar,
e sem saber o que fazer.
Sem querer fazer.
Ninguém te conta:
Algo se parte gradualmente em cada partida,
e, feito as feridas da Confiança,
não cicatrizam jamais.
O que resta se esconde em gavetas, arquivos digitais
e armários de faz de conta.
O que resta é feito uma farpa na sola do pé esquerdo.
O que resta é feito uma farpa na sola do pé esquerdo.
Enquanto ignoro o incômodo
se acumulam os compromissos e prazos.
Assisto a pilha de afazeres crescer.
Assisto a pilha de afazeres crescer.
O instante jaz feito um cigarro
descansando num cinzeiro roto,
queimando sem que eu o trague.
queimando sem que eu o trague.
O cinzeiro eu deixo pousado
sobre uma pilha de calendários antigos e novos,
rasurados todos.
Deixo que o instante queime num misto de medo e desejo
de que, antes que se consuma,
uma fagulha se cinza se alastre a queimar os dias e meses e anos.
Não há.
Phelipe Ribeiro Veiga
23 de maio de 2022, 12h06
"E dessas horas ardentes ficou esta cinza fria. Esta pouca cinza fria..." (Manuel Bandeira)
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