quarta-feira, 17 de abril de 2013

Sobre um vale.



Sub-traio-me. Vou me mutilando passo após passo por esse vale de sombra onde cada poste de luz é um adversário, onde embaixo de um gramado escondem-se perigos sem fim. Jorra de meus olhos o sumo escuro de meus pensamentos. Sub-traio-me. Escalo a Vida numa escalada sem fim, onde a cada cume construo uma nova montanha eu mesmo, de modo que ergo-me diante de mim mesmo como um monólito em homenagem à toda possibilidade de fracasso que eu institui em modo de armadilha. Afogo-me pelos olhos, sinto o peso imenso de mim mesmo rompendo minha pele, rasgando meus músculos, partindo meus tendões e me sobrepujando em dor e lástima e sangue. Não importa de onde venha a lâmina, o corte vem de dentro. Sub-traio-me. Não me alcanço, não me acho, não me toco, me corroo. O que sobra sob as mãos de tão brutal algoz? Vou me arrastando vale acima, diante de jóias feitas em imaginação, mediante a riqueza que se ergue abrupta como obstáculo a minha própria realização, e daí realizo, sub-traio-me. E de subtração em subtração torno-me um ordinário impossível. Um número acompanhado de um sinal. Não sou, sou menos eu. Sub-traio-me. Encontro diante de meus olhos todas as possibilidades do mundo, e atrás delas sorri a escandalosa possibilidade de fracasso. Todos nesse vale opressivo podem ter tudo, e a mim só falta o que há de mais fácil. Mas o que há de falta que seja pouca? Se o que falta sempre falta demais, muito, rouba paz? Queria derrubar o vale inteiro sobre meus ombros, substituir todo esse peso de ser quem sou  por algo mais leve. Sub-traio-me. Até quando? Não há.

Phelipe Ribeiro Veiga.
17 de Abril de 2013 - 19:00

"Vivo nas águas turvas da minha imaginação." - Vinícius de Moraes

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