sábado, 24 de março de 2012

Homenagem a Chico Anysio.



Hoje o Rio amanheceu sem graça. E sem graça e contrariada foi dormir a Morte ontem. Que papelão foi esse, se prestar a roubar de nós nosso Chico! Pois é, é levado o nosso levado Chico. 

O que há com Deus?! Pouco a pouco colhe-nos todas as rosas, e ficam só essas barbas de velho sufocantes, essas daninhas trepadeiras imortais ou muito duradouras adaptadas ao sol de Brasília, e o mundo vai ficando mais e mais é feio! 

Há tão pouco de belo entre os homens, pois o homem esqueceu-se da Natureza, onde tudo tem graça e é belo, e hoje nada mais é mais que o homem tão feio. 
Poucos são os que entendem o sentido da vida, que é, a meu ver e dos poetas e artistas e todos esses loucos aí, entreter... Fazendo arte a gente distrai a morte, cativa-a de algum jeito, e ela se condói, e vai nos deixando ficar um pouco mais, curiosa a respeito do nosso próximo feito. Feito Sherazade e mil e uma noites de contos sem final, feito Sísifo prendendo a morte pelo pé da curiosidade, a gente entretém e enrola a vida, e se diverte!
Mas a cada dia isso vai ficando mesmo é fora de moda. O homem se entregou a feiura prática de ser homem, e esqueceu-se de seu passado Natural, belo, selvagem, coerente e real. Hoje em dia tudo é falso, hoje em dia tudo é farsa e contrução. Erguemos desejos e amores como engenheiros, com plantas, planilhas de custo, budget e margem de lucro. Que feio! 
E assim Chico se vai. Menos uma flor, menos um sorriso. Menos um humano inteligente no mundo. Pois sabia sentir e pensar, e os homens feios ou fazem uma coisa ou outra, e assim tudo vai é pro buraco. Chico fez piada das nossas "coisas sérias de homens sérios", Chico rasgou nosso papel ridículo, dinheiro, fazendo fortuna com a zombaria de tudo que os feios acham tão grave. Chico se foi, e parte do que deveriamos ser foi junto com ele. Quantos Chicos nos restam? Que será de nós?! Damos vida, tempo, carne e sangue "e o salário ó"... continua a morte!  Que pena! 
Paz!

Phelipe Ribeiro Veiga
24 de Março de 2012 - 12:38

"Vou morrer no Projac, depois de um diretor dizer: "Corta. Valeu, Chico". Eu direi: "Que bom que valeu" e morro em seguida. Será bonito."  Chico Anysio - (12/04/31 - 23/03/12)

segunda-feira, 19 de março de 2012

Mágoas. (Cai um rei).



_Caiu!! - Dirão todos a respeito de ti.
Coroa alguma ver-se-á aos teus pés. Fostes roubado, teu manto rasgado, seu reino dividido por muitos, muitos. Todas as promessas de amor de tuas esposas foram partidas e hoje ensopam o chão dos prostíbulos onde habitam. As peles que te acariciavam hoje pertencem ao mundo, e tu em breve serás tão somente lembrado como aquele que nem mesmo foi, ficou podendo ser, e acabou por não ser. Serás aquele que não foi, e não é, e nunca será. Não serás. Terás não sido.
Tu, rei de lugar mais nenhum, esquecestes das armadilhas, do labirinto que é o coração do poeta. És um tolo, pois se até mesmo o próprio poeta se perde em si, porque razão achastes que saberias os caminhos? Tolices. O poeta também não acha o seu caminho, mas conhece os atalhos das palavras, sabe levar a fala feito uma besta fera domada num cabresto curto da estética natural que há no sentido de tudo que mesmo não sendo, talvez seja, pode ser. O poeta encena muitas vezes em sua mente o ocorrido antes de deixar ocorrer, experimenta palavras cuidadosamente, vê o que fica belo, mesmo que seja o que causa mais dor. Tudo em um poeta é armadilha, a língua do poeta não é apenas a língua que acaricia tua língua e finge te beijar (quando na verdade apenas faz rimar os visgos da saliva e das mucosas), a língua do poeta é um laço que te prendeu tua própria língua, de modo que agora teu próprio falar te remete a poesia daquele poeta que atravessou seu caminho. 
Portanto, vai-te agora rei sem coroa nem reino, nem corte, nem cetro, nem manto, nem vestes. Vai-te rei nu, desinteressado, deposto, caído e findado. Vai-te, pois até tua sombra escolheu ficar enquanto tu serves de cicerone de teus próprios medos, anunciando as dores e receios que com as próprias mãos derramarás sobre tua cabeça. O laço? Está no seu tornozelo, e pesa-lhe.
O poeta adormece com a cabeça sobre seus próprios sentidos, sobre um epílogo que julga ele mesmo ter escrito, todavia debaixo do seu travesseiro adormece escondido de todo seu jogo, mais que significado, o significante, que é, a vida, cada segundo, sempre deixa saudades. E nesse ponto se percebe, o poeta dorme levado pela poesia, feito besta-fera num cabresto curto da estética natural que há no sentido de tudo que mesmo não sendo, É!

Phelipe Ribeiro Veiga
20 de Março de 2012 - 00:47


"Deus não pune a quem se deu... Ninguém deixa um poeta impunemente." - Jorge Aragão.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Sobre o fim do verão.



O verão já velho, prepara-se para retornar ao nosso baú de sonhos vãos, coisa típica de brasileiro que somos, passamos o ano lamentando as estações outras e ansiando por campos escaldantes cheios de corpos dourados,  mar e céu limpos e carnaval sem cinza em quarta feira. E eis que agora vem o outono. Estação de colheita dos frutos. 
E eu? Eu me atormento, confesso! Me esgotei nessa estação! Eu fui de um tudo, desde amante e amado a abandonado e traído, fui razão de suspiros de prazer e de enfado, fui o esforço da aproximação e do distanciamento. Nesta estação plantei tanta exaustão e me desidratei tanto debaixo do sol forte dos meus devaneios que já não tenho força alguma pra colher os frutos do meu outono. Cansaço. 
Há em mim um desespero por palavras, que até elas eu gastei todas, e agora o que me resta é me debruçar sobre uma página branca e vazia pra declarar o próprio vazio que sou incapaz de preencher, tanto na folha quanto em mim mesmo. A sequencia de minhas perguntas é a ausência de respostas, a dos meus atos, ausência de justificativas, de minhas tentativas, ausência de sucessos, de minhas palavras, ausência de ouvintes, de meus braços, ausência de um abraço. Meu verão vem tendo seu desfecho como uma maciça ausência de tudo, e de mim mesmo. O calor parece ter derretido minhas virtudes todas, minhas esperanças, meus sonhos, o que sobra agora é a sustentação, o esqueleto do meu intelecto, que é a certeza da morte e do fim e a compreensão e a caridade minha para com minha própria irremediável solidão. 
A estação jaz no fim e eu me sinto seguindo junto este destino, me sinto poente feito o sol desse verão insólito e cheio de desnecessidades e desassossegos vãos. O verão vai indo, e as chuvas já começam pra lavar as frutas que nós iremos colher. A chuva vai levando toda a sujeira dessa estação de intensidades muitas e profundidade nenhuma. E eu debaixo dessa mesma chuva começo a renascer, feito uma nova estação, em dias serei diferente. E enquanto a chuva segue erodindo os restos do verão, eu só espero que essas águas de março possam me trazer um pouco mais do que pau, pedra ou mesmo o fim do caminho. Que me tragam frutos de mudanças, e acima de qualquer coisa, de esperança. 

Phelipe Ribeiro Veiga
17 de Março de 2012 - 00:29


"São as águas de março fechando o Verão, é a promessa de vida no meu coração." -Tom Jobim 




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E aproveito para registrar minha homenagem a uma das maiores vozes da música brasileira, hoje a eterna voz de Elis Regina, a Pimentinha de Vinícius, completa 67 anos. Obrigado por existir e persistir!

"Gostaria que fosse diferente. Mas também, como a maioria das pessoas, estou esperando o guarda acionar a mudança de cor no sinal. Enquanto isso, eu canto um sinal de alerta." - Elis Regina

segunda-feira, 5 de março de 2012

Sobre o meu despertar.



O que me tornei? 
Eu fui me embolando nos teus fios e me colando na tua teia de tal modo que meus movimentos de sempre começaram a ser prejudicados, minhas atitudes eram limitadas por esse contato exótico com você. A cada sorriso eu me enrolava mais, a cada beijo meus pés ficavam mais amarrados, e agora que eu já caí tem tempos, beijo é o chão, e me dou conta, até onde me permiti seguir?
Tu minha criança, és de fato uma criança, e os outros eclipses da luz que julgas necessitar em tua vida. Essa realização explica o porque de tu me apagares e me acenderes, até aqui, quando bem entendias. 
O fato é que estou farto. Houve teu despertar, onde tu perdestes toda virtude que me enamorava, e tornastes-te tão somente tu, centrado, egoísta e limitado, cheio de medos e covardias (feito eu e todo o mundo mais). 
Agora é o meu despertar. 
Os cheiros aparecem, os gostos, os atos... e eu estou mesmo é com teu cheiro em tudo de mim. No fim, onde é que eu fui parar? Onde me larguei feito despojo pra te seguir por essa estrada que é tua e que não me leva (e na minha opinião, nem te leva) a lugar nenhum? 
Minha criança! Eu não sou assim. 
A água e o óleo até parecem se misturar quando sacudidos por uma força qualquer, mas basta deixá-los em descanso que eles vão se separando e percebe-se claramente, jamais estiveram misturados, jamais foram coisa igual, senão separados, diferentes, eternamente amputados um do outro. Sou tu e eu. Agora que tua razão e calmaria me aplacaram, tua tranquilidade de ser tão descompromissado custou a ti minha percepção do que deixei de ser, e percebo agora, talvez o avanço esteja uns dois ou três passos atrás. Talvez seja tempo de evoluir voltando a ser, e retomando o meu caminho de onde parei, consciente do que não quero nunca me tornar. 
Sou um homem, sei da virtude das coisas, e hoje eu a escolho de novo, pra mim.
Boa noite e boa sorte!

Phelipe Ribeiro Veiga
05 de Março de 2012 - 21:29

"isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além" Leminski

"Quem é homem de bem não trai o amor que lhe quer seu bem." V. de Moraes

domingo, 4 de março de 2012

Sobre uma bigorna suspensa no ar.



O amor é uma bigorna suspensa por um fio de cabelo. 
É frágil e desgovernado. 
A seu custo toma-se caminhos e decisões outras, tropeçamos na pedra e agradecemos à pedra. A seu custo perdemo-nos de nós mesmos e de nossos nortes. A seu custo percebemos, pouco a pouco nos afastamos do que queríamos ser, somos cada vez menos o que pensamos, mais o que sentimos. O amor é um tropeço que nos faz voar, é um afogar-se proposital, onde prende-se a respiração para ficar mais tempo embaixo d'água. O amor é um voo que evita o pouco, mesmo arriscando ficar sem combustível para tal. O amor é penhorar os sonhos todos em prol da possibilidade de sonhar tudo de novo. O amor é um corte, uma encruzilhada, um perder-se proposital. O amor é uma armadilha que armamos pra nós mesmos e encenamos nossa própria queda. O amor é a esperança dos homens tolos, e dos não tolos. O amor é a solução pra todas as doenças, toda miséria, todo problema, toda angústia. O amor é asa, é furacão, é rosa e espinho, herdeiro da paixão. O amor é cultivo e dedicação. Segurança, abraço e abdicação. Sendo tanto, como poderia assim ser fácil o amar?

O amor é uma bigorna suspensa por um fio de cabelo. Ao seu custo, faz-se tudo, torna-se nada, vai se 
a qualquer lugar, abraça-se lugar nenhum, em prol do amar. O amor é tudo, e nada mais! 


Phelipe Ribeiro Veiga
04 de Março de 2012 - 16:16

"Se isto é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou."
W. Shakespeare


(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...