sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Sobre um filete de sol em dias de chuva.




É um instante de coragem. Esse substantivo que se fosse verbo reuniria cores e ações, e conteria o movimento de ir. Se eu tivesse que inventar esse verbo, o chamaria de "coragir". E é um instante duro, como se eu estivesse me levantando depois de passar muito tempo sentado numa mesma posição, sobre minhas próprias pernas. Nenhum instrutor de yoga ou psicoterapeuta costuma te advertir o quão doloroso pode ser esticar os joelhos, ainda que saudáveis, depois de um longo período de inércia. Dói em todas as idades. 

Outro desafio duro tem sido a indignação, a sensação de injustiça. E é coisa difícil não deixar que as feridas me definam, que as injustiças me nomeiem, ou que o mal trato do outro não me emoldure como obra triste. Eu sempre fui complexo e difícil de decifrar até pra mim, mas não se emoldura com essas tábuas presas com pregos de ódios e marteladas com remorsos a paisagem impressionista que sempre fui e seguirei sendo. É certo que é inverno, mas, pra mim, eu sigo jardim. 

Agora é respirar. Agora é doer. Agora é tudo ir mal e isso estar todo dentro do planejado. Andar calçado porque entraram em mim e quebraram coisas demais, e eu não posso me deixar cortar pelo que o outro derrubou em mim. Agora é me organizar. Em breve quem sabe até repintar as paredes pra cobrir a marca amarelada de tantos quadros levados embora que eu ainda vejo pendurados. 

Não há festa possível, mas é urgente reunir pessoas e coletar todos os abraços possíveis, sem me esquecer de avisar às visitar para não andarem descalças porque tem muito vidro ainda pelo chão. Há inclusive aqueles pequenos cacos que ainda podem me cortar daqui a meses por estarem jogados em cantos escondidos. 

Por hora é pôr música e faxinar. Por que a vida é isso. Movimento. Flexibilidade. Adaptação. Características essenciais de tudo que é vivo e de tudo que aponta pra vida. O contrário do estático, do duro, do imutável, do frio, do inapto, que apontam tão evidentemente pra morte. É buscar paletas novas em contraponto a esse cinza tão triste que faz penumbra nos meus olhos e no meu olhar. 

Agora é hora da cor agir. 

Phelipe Ribeiro Veiga
20 de janeiro de 2023, 15h46.

"Ir é ser. Não parar é ter razão." (Fernando Pessoa)


sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Sem título

O homem adulto que é empurrado do alto do penhasco das possibilidade chega ao chão a criança, o garoto assustado que fui. Joelhos ralados, sem unha no dedão do pé, nariz escorrendo. É tudo tão frágil e eu todo tão fraco. 

A verdade é que o homem que fui preservou sempre a esperança de tornar todo aspecto trágico de nós uma epopéia heróica. Havia essa esperança de que na parede de fundo do nosso beco sem saída desenhássemos juntos uma porta e passássemos por ela. Não foi possível. Faltaram os recursos, os insumos e algum talento, talvez. Um talento para a com-posição que agora me cobra o preço de um mundo inteiro. 

No fim, eu estendia mãos para apertos de mão, abria braços pra abraços, fazia bico para beijos e me despia para sexos, e você nunca passava pela porta a pedir que eu ficasse, que eu não tomasse vôos, que eu não fizesse malas, você nunca conseguiu me salvar do desespero dos momentos em que minha esperança mancava. Você sempre foi um cúmplice racional da desistência, e eu o incoerente desesperado dando tudo por nós. Perdão por isso. Não era minha intenção nos arrastar ao ponto da escoriação. Talvez o tenha feito. Talvez em breve o saiba melhor. Mas é que éramos tudo, e tanto, e tão fortes, e tão grandes e tantas eram as possibilidades de felicidade, mas talvez elas sejam mesmo "egoístas, meu amor". 

Por fim meu pequeno coração de criança de joelhos ralados jaz em frangalhos à espera do tempo e de seu trabalho sujo. 

O amor não é escolha. 
É falta de escolha. 
E a mim, 
só, 
me resta. 

Phelipe Ribeiro Veiga
Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2023. 10h14

"ainda tem você na sala" - Adriana Calcanhotto



(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...