sábado, 27 de fevereiro de 2021

Sobre o fim da picada.



Há ruas que esperam meus passos em diversos cantos do mundo. Há esquinas onde ainda pisarão meus sonhos e cafés onde eu irei reconstruí-los. Há uma muda de árvore num canto desconhecido de mundo debaixo da qual ainda descansarei em sua sombra. Pássaros ainda não nascidos irão compor canções pros meus momentos. Há, por aí, grandes amigos ainda desconhecidos e antipatias a serem colecionadas que hoje são tão indiferentes a mim quanto a vida das amorosa das abelhas. Tem abraços que receberão meus momentos difíceis que ainda nem conhecem meu nome. A vida, ainda que sendo curta, sabe ser grandiosa. 

É pensando nos trajetos inesperados que já fiz e nos que ainda farei que eu tento aliviar a minha patente carga dramática de saltar do Gênesis ao Apocalipse a cada fato que me acontece. 
Eu sigo aqui e nada é o fim da picada.

Phelipe Ribeiro Veiga
27 de fevereiro de 2021, 14h15

"Bom é não saber o quanto a vida dura ou se estarei aqui na primavera futura
Posso brincar de eternidade agora sem culpa nenhuma" (Zélia Duncan/ Mart'nália)

"Mesmo no que se repete permanece a novidade: 
A vida, em sua plenitude sexual, ainda conserva a virgindade." (Marla de Queiroz)




terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Diante de duas portas...




_Por ali...?
_Dor!

  (...)

_E por ali...? 
_Dor também! 
_Onde é que eu encontro prazer, então?! 
_ No "Entre!". 

23 de fevereiro de 2021 - 17h28
Phelipe Ribeiro Veiga

"E o que me separa de você agora? 
Um avião, um oceano, outros planos
 e muitos enganos!" - ( Zelia Duncan / Christiaan Oyens)  

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Sobre repartir.






Quem parte, reparte 
a alma em pedaços e os divide. 
É o que fica que conta a história, 
suas versões e suas aversões. 
É quem fica que narra. 
Quem vai terá ido. 
Vira sombra. 
Pantomima. 

Partir é virar anedota casuística pro desejo do outro. 
É ser tema nunca frequente. É tornar-se quebra-molas de conversações numa mesa de bar. Partir é estar presente, várias vezes, em pequenos silêncios. Em cantos vazios da cidade. Esquinas. Plataformas de metrô. Até mesmo canções. É estar pra sempre sentado numa mesma cadeira de um quarto, com uma voz sempre igual, com a mesma risada, eternamente. É habitar um espelho não estando mais ali. É viver repetidamente a mesma cena, mesmo nunca mais voltando de fato à ela. É ser visto sem que te possam enxergar. É ser brinquedo pra memória do outro. Partir é habitar invisível, por vezes, sutis sorrisos acompanhados de choro, às vezes choro desacompanhado de tudo. É habitar até o esquecimento. É ser agulha, acupuntura da saudade. 

Partir é repartir-se e compartir-se ao mesmo tempo. 
 
É fazer-se em pedaços. 
É dividir-se nessas partes nunca iguais 
nem sequer a elas mesmas. 

Partir é ficar espalhado por aí,
mesmo indo embora pra sempre 
ou sempre indo embora.

15 de fevereiro de 2021, 13h27
Phelipe Ribeiro Veiga

"(...) tomou o pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, 
e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo." - (Evangelho segundo Mateus, cap 26, v26)

"Nem tudo que acaba aqui deixa de ser infinito" - (Zelia Duncan / Edu Tedeschi)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Sobre o compromisso a que faltaremos todos




Temos todos um compromisso a ser faltado. 

Pode ser que seja um aniversário, um bar, uma consulta médica, uma reunião de trabalho ou mesmo uma ida à padaria interrompida. Todos nós um dia não chegaremos ao destino planejado. Pode ser que haja alguém à espera. Pode ser que haja alguém a ser avisado: "não chegará mais". Teremos ficado pelo caminho, alguns antes mesmo de sair de casa, outros sem a chance de voltar pra casa. Não sabemos dizer quando, se será uma terça, uma quarta, um fim de semana de sol. E os eventos ocorrerão sem nós. Alguns, de menor proporção, sofrerão a dolorosa interrupção advinda do nosso não chegar mais, outros seguirão como se nada. Nos dias que se seguem E-mails importantes seguirão chegando, boletos, entregas esperadas, e tudo isso já sem ter quem os leia ou receba. Nosso não comparecimento, pode ser, produzirá um ou dois eventos aos quais também não estaremos senão como justificativa. Festivais de anedotas alcoólicas são de costume. E então, outros novos eventos já não contarão mais com a gente. Tudo sem nós. O cardápio de desvios do nosso roteiro é imenso: podemos cair no banho, sucumbir a uma dor antiga, sermos atingidos por um carro desavisado, ou mesmo pifar feito uma TV que um dia liga e no outro não mais. Poderá ser um suspiro íntimo, ascético e silencioso, ou um espalhafatoso ato público com testemunhas e nota no jornal. Fato é que não chegaremos mais. De modo pontual, definitivo e irremediável, atenderemos ao compromisso último e antigo, agendado como cláusula pétrea desde a nossa chegada. Faltaremos todos para atender a esse compromisso.

Há! 

Phelipe Ribeiro Veiga
01 de fevereiro de 2021, 13h51

Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada. (Vinícius de Moraes)

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...