terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A vida não passa. A gente vai revirando os dias com as mãos da memória como quem meche em gavetas de roupas usadas. Só que a diferença é que de cada dia se pega àquela ou à outra roupa um cheiro daquela pessoa que você já não fala mais - mesmo que não da mesma forma, um fio de cabelo daquela outra pessoa que deixou a cidade atrás de uma tal oportunidade - mesmo que perdida, um resto de areia daquele dia na praia. Há roupas molhadas de dias de piscina que nunca se secam, laços de presentes que se refazem ao fim de cada desenlace pra que a gente os desfaça de novo. A mente da gente, quando diz que o dia passa, a dor passa, a vida passa, mente! Nada passa, tá tudo ali. É só ouvir uma musica que te faça virar o rosto pra aquela lembrança e tudo vem. Nossa nostalgia, nosso colo perdido, nosso amamentar tranquilo de atendimento pronto ao choro sem sentido, o silencio e o calor protetor do ventre materno. Lá trás tudo era tranquilo, tudo era um oco de sentidos que hoje a gente significa tão romanticamente. Daí é só olhar, a gente tá no mesmo lugar, aqui. O agora tem esse poder de instante panorâmico, daqui, desse instante, do topo do ponteiro desse exato segundo a gente vê a vida inteira. A gente vai subindo esse (um-dia-eu)-morro dos dias nossos tão íngreme, tão trabalhoso. Lembrar é parar pra contemplar. E que vista! Que vista!

Phelipe Veiga
01 de dezembro de 2015 - 21:27

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Eu, bicho que falo, não sei o que digo.
Lambuzo-me nas palavras, deliro sabores, mas desconfio, não existe Afinal...
As palavras vestem corpos, os olhos fazem suas enunciações, promovem suas escutas pelos ouvidos dos seus olhares, mas o significado está sempre perdido no meio do caminho entre o que se procura e o que se encontra. 
Não posso re-clamar, não adianta, não há quem escute. Só há respostas possíveis no silêncio de ninguém ou coisa nenhuma, ou no mal entendido presunçoso de quem pensa que me compreende. 
Não queria falar, nem dizer.
Não queria ser bicho que fala. 
Queria ser bicho livre. 
Mas de que me serviria uma liberdade da qual não pudesse me valer de anunciá-la? Exibi-la? Lambuzar-me em seus significados possíveis?! 
Quando dissesse então "sou livre" estaria cerrado sob o jugo do significado de minha liberdade. 
Não há nada mais a dizer quando nada pode ser dito. 
Sou um bicho que fala mas não sabe o que diz, nem o que é, nem o que quer e nem pra onde vai. 
Calo-me, e está dito! 
Tudo só está dito no Nada das coisas que nunca se dirão! 
Não há! 

Phelipe Veiga 
03 de setembro de 2015 - 22h34

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Quem me olha, será que sabe?! Será que essa profundidade tão epidérmica que se faz presente nas minhas marcas de expressão, nessas minhas cicatrizes da repetição de sorrisos e lágrimas, nisso que é tão superficial, será que está mesmo à vista? Ou será que é só a prazo que se faz ver? E a que olhos? Será que eu mesmo sou capaz de ver o que carrego nas mãos? Acaso não seria essa a explicação do peso que sinto tão injustificável? Não! Eles todos eu sei que nem à vista nem a prazo percebem nada de mim. Me veem tão pouco quanto eu a eles. São uma sombra de mim mesmo tanto quanto sou deles eu mesmo. Não me veem e nem eu vejo ninguém, estou só é cercado de uma multidão que sou eu. Todos os sentidos se resumem ao tato, e é tudo tão raso a ponto de se alcançar o fundo com a falange dos dedos, e é tudo tão profundo a ponto de eu me afogar. Do início ao fim, o que há é sens-ação e mais nada. E no dia que eu for, já terei s-ido.

Phelipe Veiga
24 de agosto de 2015 - 19:06

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Há o momento em que o vocabulário do amor se esgota. Faltam palavras novas, e aí é normal que se repita, se revisite, se reedite. É normal que haja silêncios, e nessa busca por palavras novas, apelações graves, agressividades, promessas de últimos avisos. No desespero se dizem palavras que desde o início já era condicional: nunca serem ditas. Na tentativa de salvar o amor de seu estado lacônico, que vibra mas não diz coisa alguma, do que diremos nós? O que não somos capazes de fazer pra salvar quem fomos no amor um dia? Quando chega a isso, a esse Estado de Coisas, quando as palavras já não dizem, ou se escuta a sinonímia possível em cada coisa já dita, o não-dito de todas as frases velhas, ou se renovam significados a despeito dos significantes já conhecidos, ou se desliza nessa cadeia carcerária das palavras ou o que restará é só um Vocal-Bulário só de contra indicações e interações químicas perigosas. Quando vemos já é tarde demais e não haverá mais nada a ser dito.

Phelipe Ribeiro
20 de Junho de 2015-17:03

sábado, 13 de junho de 2015

Não há espaços, só Es-Passo. Aquilo que anda por mim sem que eu me mova do lugar. Isso, que vai e volta e eu nem me dou conta. Tudo é óbvio e oculto, exibido e desapercebido, nada sem Nome exceto todas as coisas. Laço, uma corda, um círculo com nó cego na borda. Cabe tudo. Sobeja Es(-)paço, falta, Tudo. No final - nesse instante inexistente que na verdade é a beira de Lugar-nenhum, pra quem uma vez findo nunca se terá h-ávido - só somos, somos só e jamais teremos sido. Aí então haverá silêncio. Não esse silêncio nosso como pausa entre nossas rotineiras homofonias que só nos servem perturbar partículas, pra falar sem dizer nada. Haverá... Enfim, haverá...

Phelipe Ribeiro

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Sem título

Os olhos salivam...
Há cílios caninos, há cílios molares. Uns fatiam, outros mastigam...
A retina saboreia...
A menina-dos-olhos tenta falar enquanto come, se engasga...
Hiâncias do olhar...
Será silêncio e olhos fechados até o desejo roncar, de novo...



Phelipe Ribeiro
04 de junho de 2015- 13:12

terça-feira, 26 de maio de 2015

Há um mais-além. 
Onde um todo se concretiza, 
onde encontros são possíveis,
se goza junto sem demarcar o momento nem retardar prazeres. 
Há Silêncio suficiente pra dizer todas as coisas, 
onde posso ser leve como me pedem frequentemente pra ser - do que me acho frequentemente incapaz -, 
onde meu discurso não tropeça. 
Lá as palavras teriam o sólido sabor da especificidade das coisas ditas reais, 
de tal modo que seria preciso mastigar e engolir antes de dar-lhes a luz em som e sentido- isso tudo sem contração, sem dilatar os significados nem fazer sangrar significantes. 
Saberia assim o gosto dos meus nomes favoritos sem associar nem dissociar.
Lá uma árvore seria pra sempre uma árvore, sem nenhuma genealogia.
Lá o Desejo trabalharia a favor, 
feito um rio correndo na direção do imenso mar das intenções que concebi para mim.
Nesse rio a razão não se comportaria como esse peixe esbaforido nadando contra a correnteza na esperança de dobrar o leito e redirecionar os afluentes todos. 
Seria uma orquestra sem fugas, 
uma sonata sem esses desafinados infiltrados como os tenho hoje, 
sempre os tive, sempre os terei. 
Seria uníssono. 
Haveria concordância - mais do que verbal. 
Lá haveria sol sem sombras, 
conforto sem o peso moral do conformismo.
Seria possível, e até provável, 
a beleza individual das coisas que são sem iguais.
Lá o que se escuta é o que se diz, 
o que se entende é o que se quis dizer, 
sou de fato quem penso ser.
Há um mais-além. 
Antes dele, o Abismo.

12 de setembro de 2015
Phelipe Veiga

domingo, 17 de maio de 2015

A língua que é beijo, que é lambuza, que é linguagem. A língua que separa, que confunde, que limita e que se encontra em laço no desejo de se enlaçar os corpos todos. O laço que é de fita, de embrulho, presente. O laço que é de forca, de cilada, passado. O laço é sempre surpresa. Qual meu marco, meu traço, meu risco, meu limite? Do que digo quando finjo dizer o que queria ter dito? Os significados todos não tem significado algum. O desencontro é o maestro, um Bach "fora-de-si", seguimos todos numa fuga sem fim. Não há.
 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Sem título

Há nesses instantes de dissabor uma fome, vontade química, apetecimento sensorial, apetite de gente. Vontade de comer e ser comido, de mastigar e ser mastigado mas sem engolir ninguém. Vontade de sentido. Falta desse consumir-se sem verbo nem palavra, nessa execução sumária do desejo. Estranho contato com a realidade das coisas que chamam gente e a que chamo eu mesmo, no instante onde sou menos do que necessito de mim satisfaria me desgastar de todo. Feito folha já seca, incendiar-me. Fora disso, tudo segue sem significado. A Vida é impossível de verbalizar.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Como tomar decisões diante de fatos que nos ensinam somente diante do erro?! É a impossível equação entre ferida e cicatriz, e ambas doem. A primeira arde o momento, a segunda queima o passado, a lembrança, a culpa, a impossibilidade de redesfazer. Somos essa infindável coleção de impossibilidades. Diante disso não me assusta a imensa coleção de contos e ficções, essa tentativa tola de sublimar impossíveis. Vou-me sendo a cada dia um dia mais velho, e vou percebendo que somos mais e mais muito mais pelo que não somos, o que nos define não é nossa atitude feita, mas o limite dela. Não é o meio, é a borda. Pelas nossas incapacidades se desenham nosso caráter e nossa identidade. E o curioso é que previsão nenhuma jamais disse que a Vida se define por um assumir-se de si mesmo. Por uma atitude tão ridiculamente simples e tão irremediavelmente selada, proibida, cerrada. Ser enfim é olhar no espelho, além do espelho e se reconhecer, mas quem?!


sexta-feira, 6 de março de 2015

Sobre minha avó (e lembranças)

As vezes ainda me lembro do cheiro que tinha a casa de minha avó, cheia de bibelôs onde eu não podia, mas insistia em correr pra alcançar o pote de biscoitos maisena que eram repostos para minha chegada. A casa de minha avó tinha um cheiro específico, um misto de seu leite de rosas com alguma coisa mais e gosto de biscoito de maisena, e sempre que me lembro dela ainda sinto o cheiro e o gosto da época. Ainda lembro da sensação de me sentar no chão entre a cama e a televisão para espalhar brinquedos, assistir desenhos ou seja lá o que fosse. Havia a caminhada de todas as tardes pela Moreira César para a qual ela sempre se arrumava e se perfumava toda. Hoje quando penso nela queria me sentar ao seu lado e pedir desculpas por tanto desajeito infantil da criança que fui, queria dizer das coisas que a idade que tinha jamais me deixaram transformar em palavras. Eu queria muito fazê-la rir, fazê-la rir muito, e acariciar seu coração tão partido, tão deixado, e depois deitar a cabeça no seu colo e sentir suas unhas sempre grandes passarem pelos meus cabelos. Saudades...

Phelipe Ribeiro 
06 de março de 2015-11:35

"O passado não sabe seu lugar, vive se fazendo presente" Mario Quintana 

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Hoje por um segundo me bateu uma melancolia considerável. Nostalgia talvez, saudade de uma coisa qualquer. Uma cor, um cheiro, um som, não sei dizer. Há uma verdade naquilo que sentimos que mesmo sem sabermos qual é precisamos escutá-la. É feito um segredo sussurrado por nós mesmos aos nossos próprios ouvidos. Não convém calar. Mesmo quando é ferida, não convém suturar. O sangrar faz parte da cicatrização. Hoje eu senti o cheiro dos impossíveis que carrego no peito, sejam eles reais ou fantasias. Senti o sabor das minhas limitações, das minhas incapacidades. E em meio a esse lago calmo e de águas paradas e de odor duvidoso que se empossou diante de mim reside uma ilha toda florida pela satisfação de ser capaz de nomear tudo isso. Há.

Phelipe Ribeiro Veiga
22 de fevereiro de 2015 - 18h34


Creio no mundo como num malmequer, 
Porque o vejo. Mas não penso nele 
Porque pensar é não compreender ... 
(...)
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... 
(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Sobre a folha que cai.



O que faz sentido? Sensação. Instante. Momento. Felicidade. Contemplação.

Cobrimos a terra de asfalto duro e seco, cerceamos as raízes das árvores de nossa cidade, dissemos à natureza: "Até aqui você vai, não mais" e vivemos esperando sua réplica de conteúdo inesperado porém previsivelmente imperativo. Convivemos com as folhas das árvores caindo lentamente diante de nós num ensinamento sutil e de que em breve vêm a nossa vez. E vendo a folha desfilar uma coreografia toda única do galho em direção ao chão, eu sigo por uma rua que não tem o tamanho de um fio de cabelo na imensa careca do globo. Caminho pensando numa vida tão pequena e tão grande que é essa minha, agradecendo pelas escolhas que fiz, pelos olhos que tenho, pela minha capacidade de ver a folha caindo da forma como vejo. Caminho me utilizando de um auto-erotismo intelectual e sentimental num instante no qual não careço de nada nem ninguém, num mero prazer de ser quem sou me bastando intensamente, sentindo a satisfação do instante minucioso, o milésimo, o centésimo, o segundo. Esqueço a medida do instante não me importando se é grande ou pequeno. Acaricio minhas capacidades excitadas pela percepção ordinariamente única e deliciosa que tenho da folha que cai. Naquele instante não queria ninguém ali comigo, não queria estar em nenhum outro lugar, não queria fazer qualquer outra coisa. Naquele instante sendo lá o que seja tudo, houve um sentido mesmo que mudo. Naquele instante eu fui feliz. E a folha caiu ao som daquela canção que essas brisas de verão não cantam pra mais ninguém, ela encerrou sua dança de par com a brisa tocando o asfalto carinhosamente, e lá ficou sacudida vez ou outra pelos carros que passavam. E agora me ponho a pensar nela...

Phelipe

16 de Janeiro de 2015 - 00:23

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...