domingo, 23 de setembro de 2012

Sobre três anos depois.

Em memória de Patrick Kitzinger - 05/02/85 - 23/09/09

De tempos em tempos, em datas fixas eu venho fazer a exumação de nossas memórias afim de cumprir um ritual de muito carinho. À mim é como se eu alisasse uma cicatriz muito grave, afim de rememorar à que se refere, isso num primeiro momento somente. Porque depois uma coisa leva a outra, e são tantas que a cicatriz vira fundo num mundo de espectros e representações não passadas, mas presentes. Atitudes e modos e pensamentos. O mais ridículo da Vida é esse aprendizado tardio que se dá fora de tempo, como o casaco que fora tão necessário no inverno chegando em plena entrada de primavera. 

E por falar nela, nessa estação que todos os anos traz consigo um gosto de luto e nostalgia, eu me debruço propositalmente sobre o que fomos como um compromisso que espero um dia tenham também comigo quando eu já não mais for, buscando manter-te vivo. Trazer-te a memória. 

Não é dia de lembrar da tragédia ou da dor, mas de uma falta holística, completa. De todos os papéis que abandonastes deixando em cada um de nós um pedaço imperceptível do que fostes. É verdade e eu sei que vives nas atitudes mais miúdas que nós todos aprendemos com você. É verdade e eu sei que na maior parte delas nem te reconhecemos, de tão nossos que tais atitudes passaram a ser.

A Vida continua (o que justifica esse texto com tanta justificativa e pouca celebração), é o presente atravessando o passando e gerando novos vincos a essa folha volátil que é o futuro da gente. A missão é tensa, é complexo não arranhar o presente mexendo no passado, é complicado fazer-se entendido quando tudo é tão solitário e individual (principalmente a sensação e compreensão dos fatos), é tudo muito e verdadeiramente complicado. Mas no resumo o que me faço dizer sempre nessas datas de remexer a terra e desenterrar o que fomos é que eu não esqueci, que eu guardo tudo em mim e que eu sinto saudades.

Phelipe Ribeiro Veiga
23 de Setembro de 2012 - 13:00


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Sobre sobrevivência e extinção.



Pobre homem  criatura pós moderna.
Em seus pulsos lhe pesam abotoaduras, na sua garganta enforca-lhe um laço de angústia, os modos e meios e formas, a palavra escrava da negócio-ação. Cobrem-lhe panos e mais panos prendendo-lhe o calor da pele, o respirar de tudo que é. Seus pés são apertados por um couro rígido. Pesa-lhe o não suar, o não cheirar, o não irritar-se, o não alter-se o ânimo, não pode ser feio nem baixo nem alto nem velho. Não tem sequer a liberdade de ser ignorante a uma coisa sequer. Pesa-lhe a produção, a motivação, a eficácia e a eficiência para as quais não nasceu para. Pesa-lhe o poder, e a missão de outro homem. Pesa-lhe fazer a manutenção de tantas vaidades alheias que pensa ser dele próprio. Acorrentado ao contator de sua miséria e daquilo que era tempo e virou contratempo, aquele metal espesso e mais pesado que o mundo, que o faz interromper o sono, correr no almoço, limita-lhe o estar bem, o estar com seu bem, o relógio, com seus ponteiros afiados feitos espadas girando em direção à sua garganta, onde a cada hora o homem pós moderno precisa desviar-se para não ser decapitado por ele. Pesa-lhe o mundo, a identidade perdida, o homem-função, o homem-promoção, o homem-cargo. Pesa-lhe o trabalho e a privação. Pesa-lhe ser, quando o homem bicho nasceu mesmo é pra não ser.
Por fim, já velho morre o homem pós moderno deixando de herança posições, cargos, mesas, cadeiras, placas, abotoaduras e tudo que lhe pesava e por tanto tempo lhe fez curvar, até atingir o solo e ultrapassar-lhe, descendo abaixo dele.
Pobre criatura moderna pós homem. Mais desnaturalizada que tudo que há na natureza, mais afastada do que qualquer coisa de qualquer coisa que nasce e cresce e morre. Pobre moderno pós homem.
Mas se não for assim, o que há de ser de ti? 
Ao que parece para sobrevivermos em parte nos extinguímos no todo.
Não há!

Phelipe Ribeiro Veiga
21 de Setembro de 2012 - 17:18

"Como pode um operário em construção compreender por que um tijolo valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava com pá, cimento e esquadria. Quanto ao pão ele o comia." Vinícius de Moraes


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Sobre o mar de Saquarema (Sobre Sônia).


Foto: Phelipe Veiga



Uma homenagem a mulher mais forte que conheço, que me lembra hoje não pela atitude crua, mas pela coragem de ser tudo de novo, a força que tem, e de onde a minha força vem!



Mar, devias Sônia te chamar! Porque hoje sei que também tive a quem puxar!
Porque conheço a rigidez do quebra-mar que há em mim.
Sei bem de onde vem essa força violenta por tomar a Vida por assalto. Sei bem de onde vem o meu silêncio que insiste em falar tão alto. 
Orgulho-me da minha raiz de mar, e recordando bem, lembro-me claramente que nos mares de Saquarema, foi você que me ensinou a nadar. Levantavas-me nas ondas, me ensinavas que não se corre delas, que por maiores que fossem deveria correr ao encontro delas. Ensinaste-me bem pequeno a dançar o balanço das ondas, e a pegá-las não nas mãos, mas no peito aberto. Ensinaste-me a amar o sol, ensinaste-me a respirar o ar puro de maresia. Mar a...mar, tu me ensinou na Vida a nadar. 
Sinto orgulho da mãe que tive e tenho, que me ensinou a após cada caixote sacudir a areia do cabelo e voltar pra lá, e sorrir de novo, e brincar de novo. Na praia de Saquarema, amigos um do outro e da praia, você me ensinou tudo. Hoje, quando dava por findado todo o ensino, mostraste-me que és sem enquanto, relembraste-me tanto. Nós que nos julgávamos tão diferentes, somos plantas das mesmas sementes.

Quando tudo mais não for, seremos ambos um vento gostoso a beira de praia qualquer, soprando os cabelos de mães e filhos que saberão, se há bem no mundo, perceber a beleza da viração. 

Mar, deverias Sônia te chamar, pois hoje percebo de fato, eu tive mesmo a quem puxar!


Phelipe Ribeiro Veiga
06 de Setembro de 2012 - 22:36


domingo, 2 de setembro de 2012

Sobre um brinde poético a um desencontro.



Eu me arrastava para aquelas "armadilhas" sabendo que estava sendo guiado pelos meus instintos e desejos para lugar algum. Eram desencontros com data, local e hora marcada. Te encontrava sempre calado, dono de muitos silêncios. Eram poucas as palavras entre um baseado e um cigarro seu. Te achava tão lindo, suas formas, sua tatuagem, sorrisos e olhos e mãos e pés e pernas. Eu não te olhava, eu te devorava com os olhos, eu não te assistia, eu te contemplava. 
O mar de Copacabana visto do 20º andar, frases cheias de um conteúdo que eu não conhecia até então. 
E o nosso sexo? Era estranho, parecia que fazíamos um no outro, e não um com o outro, havia eu, havia você, e havia o abismo entre nós. 
É como se seus toques em minha pele fossem dados a um palmo de distância (e mesmo assim me levavam ao êxtase). Tu parecias tão temeroso, assustado, como se eu carregasse nas mãos a possibilidade de algum grande mal, quando mal sabia você, era eu quem estava ali, consciente disso, me entregando para ser imolado.
Rapaz voador que soube, já não voa mais. Tu fizestes de mim um parágrafo, foste pra mim, em três encontros, um capítulo inteiro. 
Aquela noite fora uma das mais místicas que já vivi. Você, medida do meu desejo adormecido sob lençóis rígidos e limpos, também rígido e limpo feito uma montanha de carne e músculos e pele e ossos sobre a cama que era pra ti pouco menos que uma moldura, o morro da Urca na janela, madrugada fria de céu limpo e uma lua cheia riscando o mar que fazia ondas quase tão insistentes e certamente tão insipientes quanto o meu desejo por ti. Lá fora ouvia risadas, buzinas, carros e as ondas, e dentro do meu peito um silêncio ensurdecedor. Eu ficava acordado vigiando teu sono, acariciando o desconhecido que meu desejo tinha elegido, e você dormia longe, muito longe, mesmo quando envolto no meu abraço. Fora a última vez que te vi, já sabia. Quanta riqueza de detalhes pra um detalhe no calendário da minha biografia ainda não terminada.

Mas não quero que entenda assim, então me adianto a dizer-te que você não me arde a memória, não me dói. Lembro de ti feito uma aparição, de quem hoje não tenho nenhum contato (a Vida fez isso sabe lá porque). Guardo nossas conversas, a curiosidade de saber se realizaram-se seus planos, se você superou aquele medo todo que estampava nos seus gestos. Guardo você sabe lá Deus porque, e é sem dor, é com um carinho estranho e mal endereçado. É com um desejo de que estejas bem e feliz. É com uma vontade de que estejas sendo, em algum lugar qualquer.

E tudo isso é porque hoje, passando em frente aquele hotel, senti o frio daquela noite, e o calor daqueles lençóis, e porque estava devendo poesia àquela noite. Senti saudades e resolvi brindá-la, como de costume, poeticamente. 

Phelipe Ribeiro Veiga 
02 de Setembro de 2012 - 18:43



Uma lua no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.

Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.

Mas não partira delas; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz - eu de amor pouco e vida pouca

Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua boca
Uma gota de leite no seu seio.
(Soneto de Despedida - Vinicius de Moraes)







(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...