terça-feira, 16 de julho de 2013

Sobre os bastidores do ser.



De onde diabos veio a ideia de ser quem sou? Por que caminhos passei até aqui? E desses caminhos, o quanto de paisagem aproveitei? Precipitei-me sobre o presente que sou ignorando tantas possibilidades, meu deus, quantas possibilidades... quantas?! A Vida se interpôs no meu caminho, balizando minhas possibilidades e eu, aturdido, acatei seus caprichos, e agora cá estou sendo esse, essa versão de mim. É duro ser um só, ter um só caminho, quando há tanta encruzilhada pela estrada. É injusto até. Não sei de onde veio tamanho presságio ou maldição, só sei que sou hoje o que sou. Limitado a dois braços esticados sob um céu e um sol, dentro do minuto presente, ilhado no pensamento presente, na sensação presente, e amarrado ao passado trilhado, em suposições de passados que já nem sei se me lembro bem assim... 

Não sei bem de onde veio essa ideia de ser como ou o quê ou quem sou. Eu gozo e sofro de ser... 

mas aí...

quando me pego distraído com essas estupidezes diárias, como as contas do mês, por detrás dos panos do meu pensamento, onde a plateia que sou não pode ver, que espetáculo! Eu vivo trilhões de trilhões de Vidas, eu faço todas as escolhas, sofro todas as consequências, gozo de todos os prazeres. Por detrás dos panos eu vivo em imaginação o inimaginável. Escapo de mim, enquanto eu, distraído, como um cavalo trajando ante-olhos, só conseguindo ver o que tenho diante dos lhos, nem me dou por falta de mim mesmo. 

E assim vou levando, dia após dia, sabe lá deus levando o quê para trás das cortinas, sabe lá deus trazendo o quê comigo de lá. Se satisfação pelo vivido, se mágoa pelo suposto imaginada e jamais experimentado. Assim sou. Vou pondo os dias um sobre os outros como quem empilha tijolos. O que estou construindo? 

Phelipe Ribeiro Veiga
16 de Julho de 2013 - 22:23





"O que sou hoje? É terem vendido a casa." - Fernando Pessoa

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Sobre uma observadora na cidade.





Ela, sentada no meio fio assistindo a cidade, espetacular. 
Um homem sorria para o celular, engrav-atado. Uma mulher ria e falava alto no celular de algo que acontecera na noite anterior. Um outro homem fuxicava a lixeira. O jornaleiro posicionava suas revistas. A cidade acordava e as pessoas escorriam das camas e desaguavam nos escritórios e estabelecimentos comerciais onde ficariam empossadas até o sol se ausentar e tudo ser mais do que tarde. Ela assistia as pessoas todas fazendo aquele desgaste das horas diariamente, tragava o cigarro enquanto as pessoas tragavam os dias na mesma velocidade, sem ver quanta fumaça sufocante gerava aquele fumo dos meses e anos, inutilmente desgastados, que era mais mortal que qualquer câncer. Lembrava-se que uma mulher uma vez lhe pagando um almoço lhe fez um sermão sobre futuro, aquela moça fazia uma felação do dia de amanhã. Achava que sabia o mapa do tesouro, os caminhos das tranquilidades todas. Ela tragava o cigarro e lembrava da moça e do sermão, e de como aquela benfeitora tocava nas partes íntimas do futuro achando que assim poderia excitá-lo a atender seus desejos voluptiosos de realização, segurança e riquezas. O que essas pessoas não entendiam é que para ela, há muito tempo, o momento era a Vida inteira, e o minuto seguinte ao momento presente era escravidão. Ela tragava mais um cigarro e assistia os ciclos do centro da cidade, ele enchia, as pessoas eram absorvidas pelos prédios, e vomitadas para as ruas por volta do meio-dia, e depois absorvidas novamente, e cuspidas ao fim do dia meio embagaçadas para escorrerem até suas camas, movimentando a Grande Roda, porque alguém os convenceu de que só assim a Terra continuaria a girar. 
Começava a anoitecer, e depois de assistir num expediente vital todas essas coisas e muitas outras, entre alguns muitos cigarros, ela levantava e seguia em direção ao aterro para ver o mar... "espetácu-luar".

Phelipe Ribeiro Veiga
13 de julho de 2013 - 01:26

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...