domingo, 29 de janeiro de 2012

Sobre o Esquecimento.



Houve um tempo onde ser lembrado era uma premissa. Era um tipo de prêmio de consolação, quando não o objetivo principal de um encontro de amor para mim. Esmiuçava minhas atitudes de forma quase esquizofrênica atrás de um jeito de ser tão especial e único a ponto de ser inesquecível. Vaidade tola essa minha! 
Isso é porque sei bem da morte, fui amigo de alguns que se foram já bem velhos, e me recordo bem e diariamente de meu velho bisavô, de minha velha avó e das conversas que tínhamos, das histórias que ouvi e de quem foram, e me arrepio em perceber, diariamente lembro-os cada vez mais com dificuldade. O tempo nos engole feito o mar a um naufrágio, onde mesmo o maior dos navios encontra lugar no esquecimento, onde depois de afundado nada é, nunca foi, o mar jaz intacto e nós... esquecidos.
Está aí minha tortura literária, meu esforço em permanecer, em sobreviver a mim, está aí meu apelo paterno, minha vontade de ficar, ficar, ficar... mesmo já tendo ido. Está aí minha tola vaidade e vontade de vencer mais que a morte, a morte da minha morte, o meu esquecimento. 
Houve um tempo onde tudo isso era verdade e pra mim fazia muito sentido, valia o imenso esforço que eu despendia para realizar essa tarefa. Não mais.
Percebi que não sou lembrado. Que de especial duro uma semana, um mês, um ano, mas até em lagos pequenos ou grandes que somos, também cabe o meu naufrágio. Vivemos em dias onde mesmo a tatuagem de Chico Buarque pode ser apagada. Hoje é dia em que morremos ainda vivos, são tantas as possibilidades, as oportunidades, as opções que sou mais um. 
É meu coração, aquieta-te, sê tu mais pra ti, que pra ti, como dizia Pessoa, és o universo, mas só pra ti. Para os demais sou programa vigente, feito uma estrela cadente, rapidamente passo. 
Que dor! Morrerei um segredo jamais contado, uma história jamais ouvida. Minha vaidade se contrai, meu peito dilata, vazio, e respira. Sou só mais um, e quando não for mais, tento aceitar, jamais terei sido!


Phelipe Ribeiro Veiga
29 de Janeiro de 2012 - 21:41


Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Prá seguir viagem
Quando a noite vem...
(Tatuagem - Chico Buarque)

sábado, 21 de janeiro de 2012

Mutatis Mutandis.



Sou eu. Meio. Vírgula. Modo. Processo. 
Quando será que a vida vai me dar um canto, mesmo que escuro, mesmo escuso mas meu? Quando será que haverá um colo que seja verdadeiramente meu? Que seja feito pra mim, no meu número e medida? Mesmo que eu tenha de ir a algum alfaiate pra fazer ajustes, eu vou feliz. Quero ser destino, não caminho. E não tem sido assim...
Tenho servido. Sou instrumentalizado. Quantas coisas se alcançam ao conhecer-me? Por quantos processos e transformações sou responsabilizado? Perdoe-me a soberba e o desparate em dizer tais coisas, mas as sinto assim, aparato de cortar arestas, de agregar recortes novos, e Deus! Deixa um cado de me usar que meu corte já está é cego! Cego já nem enxergo onde estou, mas reconheço, é sempre o mesmo lugar. O mesmo cheiro de amor dos outros, as camas são sempre reviradas de transas passadas cheias de areia e de lençois embolados, os corações arranhados de arrasos prévios e as palavras trazem aquele cheiro de nafitalina com endereços e dedicatórias rasuradas, onde embaixo jaz meu nome de improviso. Tudo que possuo já está possuído. Nada que tenho é meu senão o que sou, o modus mutatis da vida dos outros.
Nesse meu quarto escuro há até uma luz negra que, como disse Cazuza, ilumina um teatro sem cor. Mas eu não me importo, não quero ver, não posso ver, e mais, não preciso ver esse espetáculo. O mundo que tenho habitado jaz impraticável, desfuncional. Preciso mudar de mundo, mas não há outro, o palco é um só. Tateio a escuridão das minhas opções e possibilidades, das minhas escolhas prováveis tentando achar uma saída. Sair de cena é impensável, ficarei até a peça acabar, sei. Mas daí reflito, penso, me desnorteio atrás de alguma outra marcação então. Eu que sempre estive calmo e prestante diante da vida, que de suas mãos nunca tomei nada, todavia estive sempre a esperar pacientemente do que ela de bom grado me dava estou prestes a tentar um assalto por um lugar mais prestável e mesmo prestante, por um papel principal, quem sabe, nem que seja em minha própria existencia. Se o palco não pode ser mudado, exigirei ao menos um novo papel. Farei assim de todas as mudanças que causei a causa pra mudar meu papel nesse espetáculo, vou virar mesas, copos e jogos. Eu o farei, e que me perdoe a Direção.

Phelipe Ribeiro Veiga
22 de Janeiro de 2012 - 00:15

"Se é triste/cômico ficar sentado na platéia quando o espetáculo acabou e fecha-se o teatro, mais triste/grotesco é permanecer no palco, ator único, sem papel, quando o público já virou as costas e somente baratas circulam no farelo. Reparem: não tenho culpa. Não fiz nada para ser sobrevivente. Não roguei aos altos poderes que me conservassem tanto tempo. Não matei nenhum dos companheiros. Se não saí violentamente, se me deixei ficar ficar ficar, foi sem segunda intenção.largaram-me aqui, eis tudo." (Drummond)



sábado, 14 de janeiro de 2012

Sobre nós e nossas despedidas.



Meu amor, minha criança! Sento-me aqui a beira mar para escrever com tamanha ternura que sinto, estou prestes a escrever a coisa mais bonita que já escrevi, tamanha a doçura com que penso em ti, tamanha a ternura com que te encaro nos olhos, por trás dos meus olhos, todos os dias que acordo antes de abri-los. Que pesaroso isso minha criança, meu texto mais lindo é uma despedida a beira-mar... Mas não te impressiones pela despedida. Despeço-me de ti todas as noites antes de dormir... Varias vezes! Tu sabes! Talvez ate tu ouças meus sussurros tímidos, doídos. Despeço-me de ti hoje pela enézima vez, pela ultima talvez, ou ainda por uma das primeiras. A vida, disse um poeta, é um adeus demorado, e assim é contigo.
Quanto pesar num amor tão jovem, numa coisa tão prematura que somos nós, não é? Que dó!
E agora eu me peso, e me repenso, e sinto-me mais, mesmo sub-traído de você! E digo isso porque o amor, monstro que eu crio e alimento, tempestade que sou sempre eu mesmo quem semeio, me toma naquele revés sempre certo, certeiro... E sou produto de tudo isso vivido. Mas tu, sempre consternado pela imagem que ficaria de ti em minha parede, no caso de uma retirada tua ou minha, fique tranquilo. Penso em ti com bem, de boa vontade, com um desejo maciço de que sejas feliz, com a consciência de minhas incapacidades, e das suas, e acima de tudo, mais que qualquer coisa com uma eterna saudade sem fim nem começo. Parece que sinto sua falta desde que nasci até o dia em que eu morri. Mas isso tudo é porque eu nao sou entende? Eu fui há muito tempo! Muito tempo!
Meus sonhos são todos muito antigos e nao tem mais lugar nesse mundo, nem dentro de mim encontram um mínimo aconchego! O que eu busco é de pureza, de lealdade e decisão que nao existe! É que eu quero algo que nasceu em mim, morreu comigo! É dessa enfermidade de mente e coração que sofro, essa coisa crônica, antiga, essa herança que herdei do mar em que desde muito cedo fui levado a conhecer, essa mania de ser resignado feito as ondas, que nao se cansam, que nao desistem, que insistem em ser profundas até onde nao cabe mais nada, mais nada! Desse mal minha criança que sabe bem da cura das coisas, nao há com o que se curar, nao há!
E eu Termino esse texto sem sabê-lo longo ou curto, belo ou feio, porque, por um tempo, jamais o lerei! E contemplo que nós, poetas somos os seres mais (in)felizes da face da terra... Somos miseráveis, mendigando das palavras os sentidos todos delas, o significado que não há. Espremendo o mundo, esse limão já chupado. O mundo, essa mentira descoberta, nascemos mortos pra tudo, e aí erramos na mão, vivemos demais. E repetimos o erro com tudo, e com você talvez. Por tudo me desculpo, de nada me arrependo, e em todas as coisas sinto sua falta.
Em fim...
Com amor e saudade, Paz!
Phelipe...

Praia de Copacabana, 14 de Janeiro de 2012-18:49


"Nunca tive medo de me mostrar. Você pode ficar escondido em casa, protegido pelas paredes. Mas você tá vivo, e essa vida é pra se mostrar. Esse é o meu espetáculo. Só quem se mostra se encontra. Por mais que se perca no caminho." 

Cazuza (as vezes acho que ele me entenderia rs)


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sobre certeza e mornidão.


Esse texto eu escrevi em 28 de outubro, encontrei sem publicar, é bom rever o passado. Quando sabemos de onde viemos, entendemos melhor porque estamos onde estamos. O passado mais do que justifica, nos responsabiliza pelo presente. 



É esse toque de loucura dos nossos encontros que mais inflama o que somos, essa irresponsabilidade, esse proibido. É que eu to cansado da dúvida se o que vivo é bom ou ruim, certo ou errado. Ao menos contigo eu tenho a certeza! Certeza de que não deveria, certeza de que estou andando em brasas, queimando os pés e que isso cedo ou tarde vai doer. Com você eu ando tendo a certeza de que estou cometendo uma loucura, de que pra nós dois é errado, e de que você sequer sabe o real significado, o preço dos detalhes. É uma investida solitária, eu passeio pelo seu corpo sem a preocupação de ganhar visto pro seu coração, sou turista em suas curvas, fotografo com beijos molhados suas mucosas, e guardo com um gosto já de passado o seu cheiro. 
E por falar em passado, as vezes já me pego te conjugando assim. É um senso de realidade cruel esse, mas é tão saborosa a certeza, mesmo que seja a certeza do erro.

Ao menos sei que és quente, e em que sentido és quente. A mornidão ainda me amarga a lingua, me fere os olhos feito um cisco. Cansei das pessoas mornas, das suas quase mentiras, meias verdades, crises e indecisões. Abraço hoje a certeza do que não somos e gozo como amor algum jamais me fez gozar... 
Assim somos passados pra trás, e só o que importa é o nosso sincero, honesto e tenaz desejo. Ao menos nele eu posso verdadeiramente acreditar, com certeza. É... tudo é tão certo, que me pergunto... o que será de nós?

Phelipe Ribeiro Veiga
28 de Outubro de 2011 - 00:08

Uma carta sobre medos e afogamentos.


Desde que te conheci eu me sinto assim. Uma criança parada diante do mar tentando reverter a direção das ondas, tentando convencê-las de não bater, mas de acariciar a praia, tentando convencê-las a agir mais silenciosamente, mais organizadas. Tentando mostrá-las que o mar não é como um rio, que elas poderiam até escolher não estourar na praia, que poderiam ter o curso que quisessem. Desde que te conheci estou eu diante do mar tentando convencê-lo de que outros humores são possíveis. E nesse tempo o que tem mudado é a fé da criança e o humor do oceano. Agora tu te iras é contra mim e eu temo por meu próprio afogamento.
O que mais me ofendes é que se eu for, tu me deixarás ir como quem perde uma coisa qualquer, uma moeda de dez centavos que cai do seu bolso e que você julga não valer o esforço pra baixar e retomá-la pra você, mesmo tendo consciência de que ela fará toda diferença no troco de uma passagem, num pedágio qualquer. Sinto-me supérfluo, teu respeito às minhas decisões me agride, teu me deixar ir me fere, tua permissividade me ofende. Uma vez ouvi que quem ama não permite todas as coisas, que aliás onde tudo é permitido é que não há amor. Amor, o que há de mais egoísta que o amor? E agora? O que somos nós? 
Se definir o que somos é tarefa árdua, definir o que fomos até aqui me soa tão impossível quanto. Agora te vais fugindo de mim, fingindo pra mim que o detalhe não é nada, que o que é pequeno pesa mais do que o que é maior, vais pra essa terra que fica lá longe, e por mais que teu vôo te leve continentes a frente bem rápido, sinto teu afastamento gradativo, lento, langoroso, feito aquele sangue que escorre sem vontade e chega a fazer cócegas na pele enquanto abandona o lugar onde deveria estar.
Não que eu tenha a pretensão de dizer que é nos meus braços o seu lugar. Seu lugar é onde seu peito se aconchegar. O que tenho é medo de que não seja em mim, comigo. Que medo das respostas que eu já sei de perguntas que eu jamais farei... 
Diante desse cenário, e agora? Salvo a mim? Salvo a nós? Há alguma salvação? Ou tudo termina igual, como sempre termina, de novo?
Que medo!


Phelipe Ribeiro Veiga
13 de Janeiro de 2012 - 20:35

domingo, 8 de janeiro de 2012

Sobre carinho.



A palavra certa é carinho. 
Eu não sei bem te dizer porque eu me enrusti assim em teias que não são obrigatórias nem nada, e porque toda vez que estou prestes a sair dessa armadilha eu olho pra trás e volto correndo me jogando nela de novo. Estou começando a criar uma certa inimizade com meus desejos. É que eu acho que não ando muito a meu favor, ando roubando no jogo contra o meu sucesso, a favor de des-conhecidos que prometem, prometem, prometem... e eu vou cumprindo até promessa alheia, limpando o nome de gente que não tem é culhão pra ser gente. E eu me pergunto, quanto descaso com meu próprio peito? 
Eu comecei esse ano prometendo que ia ser mais carinhoso comigo, querendo-me bem, e pretendo cumprir, antes de qualquer outra, essa promessa. Mas é que largar os velhos sonhos eternos, maciços é muito difícil. Ontem eu me dei conta de que não é nada fácil fazê-lo, de que não é só porque levei porradas homéricas da vida anteriormente que pequenas agulhadas sutis deixaram de me machucar. Eu ando tão gratuito, tão descuidado. Meu coração anda meio a deriva, sem ancora, sem remos, vazio, e meu cais tem sofrido de solidão. Que besteira meus irmãos, eu fiz do desassossego e do sofrimento do peito uma coisa pouca qualquer, estou sendo um ignorante, uma mula, e diante de tanto carinho que distribuo aos des-conhecidos, tenho faltado com carinho comigo mesmo. 
E logo eu que comecei tudo me dizendo "esse ano eu me quero bem"...
Hoje reconheço, devo-me satisfações, e mais do que tudo carinho.

Phelipe Ribeiro Veiga
08 de Janeiro de 2012 - 12:50

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Sobre uma criança dormindo no meu colo.



Hoje uma criança, deitada ao chão, dormia com a cabeça no meu colo.
E é incrível pensar o quanto um momento de doçura ou sutileza é uma carícia que a vida nos faz, trazendo consigo um cheiro de lugares que nunca estivemos antes... eu fiquei ali assistindo, fazendo carinhos e entendendo o tamanho do significado daqueles pequenos movimentos de sobrancelhas, piscadas fortes, movimentos de olhos, era tanta coisa. Por um minuto pude sentir que entendia toda a nossa fraqueza, a nossa tristeza e a nossa angustia enquanto espécie, pude sentir ali, entre as minhas mãos e com a cabeça sobre a minha perna o peso de uma civilização inteira, e fui invadido pela homérica audácia de sentir-me capaz de saciar, ajudar, abraçar, abrasar, proteger, realizar, curar, tudo. E isso logo passou.
Vi-me ausente de um todo que, realizei, sou eu também. Somos todos assim, dessa fragilidade que ao mesmo tempo assusta, ao mesmo tempo encanta. Dessa inocência e perdição de caminhos que nos confunde e nos embriaga pela vã possibilidade de acordarmos menos nós mesmos, mais coisa qualquer com sentido, direção. Somos essa quimera, esse misto de frustração e orgulho, de fantasia e realidade, somos um produto final de uma equação impossível, que por falta de respostas inventamos uma. Somos todos assim, todos crianças. E se ao menos houvesse colo pra todos nós... afinal de quê mais precisa uma criança? 
Nessa tarde uma criança semelhante a mim dormia em meu colo com tranquilidade, com a confiança de que não seria acordada desse afastamento de tudo que é dormir, e eu não ousei fazê-lo, fiquei ali invejando, refletindo e esperando que agora, quando me deito pra dormir, eu pudesse oferecer a mim mesmo um colo semelhante... assim espero com otimismo, já que há um cheiro doce no ar, a consciência de que um dia em que se sente que dias melhores virão já é um dia melhor, até porque isso é ser humano, é ser criança não é?  É esperar pra re-nascer. Boa noite.


Phelipe Ribeiro Veiga
03 de Janeiro de 2012 - 23:13
"Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além." Paulo Leminski 


PS: Dedicado a criança que dormia no meu colo, para quem a leitura foi acalanto por quase 24 horas.

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...