sábado, 13 de janeiro de 2024

Acheronta movebo.




O pensamento me causa sensações. Feito um animal faminto te busca. Carregado por ele, voo baixo evitando as preocupações predadoras dos meus carinhos. Voo rente às folhas no chão e próximo às raízes profundas das árvores aprendendo delas a construir profundidades. Coisa urgente! Persigo o percurso como que por instinto. A bússola do meu desejo me aponta a direção. Sinto o frescor do chão húmido da enorme floresta pela qual passo e depois subo, inevitavelmente. Sinto o vento frio da montanha que sobrevoo e, depois, o cheiro do escapamento dos carros da cidade onde você mora. Invisível, te persigo. Não demora nada, entre uma multidão de transeuntes eu te vejo. A paisagem que busco.  

Reconheço as roupas e vejo com clareza o seu corpo nu por debaixo delas. Reconto as pintas do seu pescoço para verificar se ninguém te (ou me) roubou nenhuma delas. Contabilizo as marquinhas todas do seu corpo que eu fiz de tudo para memorizar como quem conta avaro minúsculas moedas de ouro que compõem uma enorme riqueza. Depois vejo os caracóis dos seus cabelos sempre molhados balançarem na brisa. Tento inutilmente ajeitar um fio que te cai na testa e que, eu sei, te incomodaria sabe-lo ali. Não consigo. Toco o lóbulo da sua orelha e sinto a temperatura fria dela como sempre gosto de fazer. Depois eu desço. Aperto seu quadril assedioso como só em imaginação posso ser e te sinto sem você sentir. Constrangido, subo pelas suas costas como quem sobrevoa um vale imenso e, mergulhando pele adentro e espinha acima, alcanço rápido o sopé dos seus pensamentos. Resisto, por apreço à sua intimidade, à tentação de, acima do seu tronco cefálico, parar sobre a ponte e ver passar embaixo dela seu fluxo intenso. Subo de novo à altura da pele e sinto o cheiro inebriante de sua nuca. O sinto tão intensamente que você, imagino, chega a levar a mão e se coçar em reação ao meu imaginário suspiro. 

Te vejo esbarrar. Te ouço se desculpar. Aqui de onde estou, sorrio sem usar a boca ao te ver passar sem usar os olhos. Te vasculho inteiro e atesouro em hipótese o máximo de detalhes seus que posso antes de voltar, teletransportado, ao meu peito apertado e ao meu corpo tão seccionado do seu e ao mesmo tempo tão nele misturado. Retomo os imperativos categóricos da vida. Diabrura dolorosa é a distância. Eu, ateu de deuses, assumo que me curvo à onipresença da sua ausência. Mas só até onde sou obrigado. Apenas parcialmente. Porque no que posso, sempre que posso e como posso, faço de um tudo por degradá-la, ainda que em imaginação, o que por bem





 consigo. 




Rio, 14 de janeiro de 2024
Phelipe Ribeiro Veiga

"Se na bagunça do teu coraçãoMeu sangue errou de veia e se perdeu" (CB) 







quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Sobre os efeitos cronológicos do sentimento.




Os sentimentos sim é que são os senhores do tempo. 

O amor torna um fim de semana uma vida inteira. O tédio, uma hora uma semana e meia. O sofrimento, seis meses em seis anos. Os afetos pesam a mão nos ponteiros dos relógios, rasuram calendários, nos transportam pra passados, nos empurram pra hipotéticos futuros. O sentir é viajar no tempo e no espaço. É ser e estar desafiando todas as leis da física. É inclusive estar em vários lugares ao mesmo tempo, e, às vezes, dois corpos ocuparem o mesmo lugar no espaço.

Entretanto, há dentre todos, o super efeito da tristeza. A mão mais pesada sobre os ponteiros do relógio. Isso porque o sofrimento não estanca o tempo, ele estraçalha o relógio. Ele não rasura o calendário, ele o arranca da parede e o faz em pedaços, fazendo mosaicos afrontosos no chão da cozinha, de modo que você perde a noção de continuidade e já não sabe de onde veio, pra onde vai, e nem sequer a ordem dos dias da semana. Você não sabe diferenciar o ontem do amanhã, nem que dia é hoje. O sofrimento nos encapsula e nos leva pra um lugar onde ser é doer e estar é sofrer. Tempo e espaço são abolidos violentamente. E se ou quando voltamos desse passeio nefasto, envelhecemos tanto. Envelhecem os sonhos, as esperanças, a credibilidade no bonito das coisas, o apreço na percepção do mundo. Isso porque mais que tudo, o sofrimento nos envelhece o olhar.  Perder-se no vácuo anacrônico pra onde nos leva nos pode custar a vida, podemos esquecer o caminho de volta e isso pode ser a extinção de tanta coisa do que somos, mesmo pros que se preserve um coração funcional no final de tudo. 

Diante do assalto do sofrimento só nos resta achar a máquina do tempo que é o encantamento de voltar a se alegrar. "Voltar" a estar feliz é retroceder, rejuvenescer, retocar a realidade e maquiar as marcas de expressão deixadas, recuperar cores perdidas e, frequentemente, tonalidades novas. Ganharmos de volta, dizem, um tal viço, um tão falado brilho. Mas a marca indelével do passeio no vazio do sofrer jaz ali. Uma cicatriz. Jamais seremos os mesmos. Jamais teremos a mesma idade de novo.

Eu, enquanto flutuo no vácuo, reflito e concluo: 

São sim os nossos sentimentos os senhores do tempo. 
E dentre eles, é sim o sofrimento o mais nefasto inimigo das horas. 

4 de outubro de 2023 (?) 
Phelipe Ribeiro Veiga


"Dentro de um livro na cinza das horas" - (AC)


"Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!
Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
." (VM) 


"São mitos de calendário 
tanto o ontem como o agora, 
e o teu aniversário 
é um nascer toda a hora" (CDA)

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Sobre a atitude furta cor.




De fato.

Furta cor a tua atitude tão rasteira, deixando o que restava de nós monocromático. Feito filme antigo, cinema mutado, como um anacronismo. O apreço ao detalhe para machucar, a especificidade minuciosa do toque na ferida aberta e em câmera lenta me surpreende. Incolor, teu furto se deu feito uma mensagem na garrafa que, ao invés de você lançar ao mar, você a atirou na minha cara com uma violência travestida de normalidade. 

É verdade que há um tempo você me disse do normal que é pra você certa agressividade no amor. "Dizemos o que dizemos e depois é só se desculpar. Assim que era", você me disse. E falamos de como pra mim, concessionário doentiamente ilimitado pra ter paz, isso era impraticável. Portanto, não há novidade na agressão, e nem há ignorância da sua parte sobre o que você fez comigo, me conhecendo tanto. A novidade está no rigor ao capricho e ao detalhe. Das múltiplas versões de ti, essa eu ainda não conhecia.  

Desconheço tamanho preciosismo por eu ter convivido tanto com sua escusada personalidade tão usualmente distraída. Torço pra que seja uma habilidade nova. E que ela seja versátil o suficiente pra que você possa exercer a mesma minuciosa apreciação do sutil das coisas não só pra ferir mas também pra fazer feliz. A você e a seja lá quem for. 

Vinicius tinha razão quando dizia que era desprovido de cor todos os momentos de despedida. Você pode não ter me ensinado o porquê, mas definitivamente me mostrou o como.

Merecíamos mais? Quanto a nós eu não sei. 
Quanto a mim, definitivamente sim. 
Não há. 

Phelipe Ribeiro Veiga
02 de outubro de 2023 - 13h46

"Entra pra ver como você deixou o lugar
E o tempo que levou pra arrumar aquela gaveta
Entra pra ver, mas tira o sapato pra entrar.
Cuidado que eu mudei de lugar algumas certezas
Pra não te magoar. Não tem porquê. Pra ajudar teu analista
Desculpa." (Cícero) 
 
"Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação. " (VM)

"Giro um simples compassoE num círculo eu faço o mundo (que descolorirá)" (VM)


sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Sobre o meu lado da história.

Há sempre muitas maneiras de contar uma história, e a nossa eu sempre escolherei contar mesmo é pelo começo. E não porque ela tenha caído no clichê dos dias ou na rotina ensossa dos que se deixam carcomer pelo tédio e pela seguridade de um amor tácito e palpável. Não. Mas porque admiro a integridade do que fomos capazes de ser e fazer, e as boas histórias se fazem num arco crescente que carece de ser contada é pelo começo mesmo. A nossa, pra mim, será sempre assim. 

Foi com você que aprendi a gravidade das conversas, a não banalizar as reclamações e da importância do entendimento, fazendo valer bem mais o que digo do que o que falo. Aprendi que posso ser amado de modos distintos aos meus modos de amar. Aprendi que a leveza precisa ter seu lugar. Aprendi limites e aprendi da falta que faz perdê-los de vista. Aprendi o respeito e aprendi a nuclear importância da admiração. Foi em nós que aprendi a parceira e o companheirismo em sentidos para os quais eu nunca tinha me deixado ser encontrado antes. Compartilhávamos o pão sob os céus dos quatro pontos cardeais. Você me ensinou a ter pequenas e grandes coragens e a dar grande importância aos meus pequenos medos. Você me ensinou que dá pra tentar um pouco de tudo e que não custa acreditar. Além disso, também me ensinou a gostar de cebola e a beber café sem açúcar. 

Por essas e tantas coisas é que o que levo de ti não é o que a mágoa mancha, o que o medo da perda arranha nem o que o apego, tornado em aperto, acabou por produzir. O que levo é o homem com olhar e olhos de menino choroso ao pé de um barco sob um céu longe daqui me explicando que não sabia o que fazer, mas que sabia o que queria. Levo a lembrança de sua risada que ri com o corpo todo. O abraço em fuga. Os hábitos estranho e engraçados. As composições diárias e os apelidos esquisitos. A companhia que inexplicavelmente me fez ficar tanto e me faz ser tão pesado partir. Guardo de ti experiências enormes, saudades gigantescas e um grande amigo de quem sempre sentirei falta. Uma vez você, raivoso, me disse não ser extraordinário. E talvez não o seja. Talvez tampouco eu o seja. Mas foi extraordinário o que fomos capazes de ser. Foi e terá sido, pra sempre, uma grande aventura. 

Quanto a você, do seu lado, sei pouco ou nada. Mas estou em paz. Eu e minha saudade nos sentamos tarde sim, tarde também a lamuriar e trocar lembranças, e rimos de umas, choramos de outras e, fazendo o melhor que podemos, e em prol de que lembrar seja o mais gostoso possível, desviamos ao máximo dos ressentimentos, estes tão naturais de histórias longas. O meu lado da história é esse e de mim ninguém pode tira-lo. É o meu pra sempre que deu pra fazer. É pitoresco, fantasioso como todo amor precisa ser pra poder ser, e é triste como só as melhores lembranças necessariamente são. Mas, acima de tudo, ainda que só e ainda que só meu, é meu. Pra sempre. 

22 de setembro de 2023, 19h50
Phelipe Ribeiro Veiga. 

"Não, nada irá neste mundo
Apagar o desenho que temos aqui
Nem o maior dos seus erros
Meus erros, remorsos
O farão sumir.
(...) 
Nada, nem que a gente morra
Desmente o que agora
Chega à minha voz" (Caetano Veloso) 

"Barreremos cada uno ‘pa’ su casa
y quizá aprenderemos cuatro cosas nuevas,
no se borrará tu olor por más que llueva,
que el amor que deja huella no fracasa." (Juan Gomez Canca) 

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Sobre um corolário de sombras.





Pouco a pouco as coisas vão ganhando titularidades e a casa onde moro vai sendo habitada por um mobiliário estranho. Nem os quadros estão mais nos mesmos lugares, apesar de não terem se movido um centímetro. Talvez porque o que mudou foram as paredes. Faz parte desse meu cotidiano trânsito entre dois mundos. Um pé no passado e outro no presente, sob um abismo obscuro dividindo os dois a que apelidei de futuro. 

Vejo uma sombra passando da cozinha pro quarto, voltando do banheiro pra sala. Vivo eu e ela, a sombra. A sombra cobre a metade do quarto, da sala, do sofá e do meu pensamento. Dotada de toda uma autonomia, caminha daqui para acolá e faz suas coisas, e cantarola num eco distante. Ponho música alta pra ensurdecer-me e finjo não notar o fantasmagórico mover de coisas na cozinha quando já não há ninguém. Às vezes me deixa copos pra eu lavar. Eu lavo. Ela também me deixa contas pra eu pagar. Eu pago. É tributário o meu convívio com ela. 

Hoje o acordar é um gradual desvanecer do mundo ao meu redor, é assistí-lo (a) perder resoluções. E pouco a pouco a sombra dá as mãos a uma ciranda de outras sombras, compondo o pesado corolário que levo sobre a cabeça. É minha coleção de despedidas. Prêmios de minha incompetência em fazer o tempo parar. Em fazer durar chuvas de verão ou encerrar estios antes que me sequem as lavouras todas. É a repercussão desse meu timing desencontrado de todos os demais ou quem sabe é só pura má sorte ou azar, ou os dois, caso não sejam a mesma coisa. 

Ouço as portas se fecharem, todas. O virar de chave, várias. As costas caminhando em direção às escadas ou aos elevadores ou portas. Fico eu, sempre igual e na mesma situação, mão nas chaves, testa colada à madeira das portas, olhos fechados, só e assombrado pela sobra última que levo presa à planta dos pés e que me aponta o dedo acusatoriamente. Se ao menos dentre tanta sombra uma me servisse para sentar-me embaixo dela e ler um livro. Mas nem isso. Apenas me pesam a cabeça e o peito. Apenas. 

Não há.

Phelipe Ribeiro Veiga
Rio, 18 de setembro de 2023. 11h52


"Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de seccionar aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce." (Vinicius de Moraes) 

"It's strange what desire will make foolish people do" - Chris Isaak

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Sobre a recordação de uma recordação de uma recordação de tempos mais eróticos.




Não havia sequer uma porta. Esse batente que em ambientes fechados emoldura todas as partidas ali não existia.  Havia sobre nós apenas o céu estrelado que emoldura todas as coisas vivas. O vinho gotejava da boca da garrafa e se misturava às areias embriagando o corpo inteiro da praia. O mar se esgueirava curioso praia acima, sorrateiramente espiando o nosso transe e a nossa transa. Tudo era maresia e uma composição impossível entre silêncio e canção. Seus poros suavam mar e evaporavam estrelas. Suspirávamos ventanias litorâneas. Nós e a praia e o céu havíamos nos unido. Éramos uma só existência. Eu sei disso porque quando chegou o momento eu senti as areias pulsarem, o vento gemer, o mar ejacular sobre a terra e o céu se contrair. A natureza inteira gozou conosco. E foi naquela noite enquanto você, emoldurado de amanhecer, se lavava no mar ainda excitado por nós que eu descobri que Caetano também cantava em inglês. Às vezes me pego pensando em quanta saudade aquela praia não deve sentir de nós! 

Phelipe Ribeiro Veiga
21 de fevereiro de 2014 - 20:13
(postado em 22 de agosto de 2023 às 13h00)

No verde lençol da areia 
Um marco ficou cravado 
Moldando a forma de um corpo 
No meio da cruz de uns braços. 
Talvez que o marco, criança 
Já o tenha lavado o mar 
Mas nunca leva a lembrança 
Daquela noite de amores 
Na praia do Vidigal. (Vinicius de Moraes)

domingo, 20 de agosto de 2023

Sobre o desajeito e as formas de amar.




Muito se fala de como o amor é o mais belo dos sentimentos. Fala-se de valorizar o amor. De sua raridade. De não deixa-lo escapar. De se brigar por ele. Quando o que mais importa é a forma com que se ama ou se é amado. O encontro com o amor se faz épico ou trágico a depender do modo como se dá esse encontro.

Afinal, faz menos estrago um inimigo que nos odeia de maneira ética do que um amante que nos ama de modo desajeitado. É grave a coisa do desajeito. É um bicho em forma de comportamento que deforma qualquer sentimento. É perdoável que às vezes ele advenha da falta de prática, da inexperiência ou até da incompetência. E é verdade também que há por aí os bem intencionados incapazes da busca por se amar bem, e que deus nos proteja desses pequenos monstrinhos inimputáveis. Destes não nos restará sequer o direito de nos ressentirmos. Eles não tem culpa de nascerem assim. 

Mas como diferenciar a ignorância como condição da ignorância como adesão em forma de álibi e estratégia para obtenção de seus consequentes privilégios? Da ignorância como um tipo de anistia a que se apela para não se ajeitar no seu modo de amar? Há esse caso em que um certo tipo de índole configura uma postura indolente, não zelosa e preguiçosa diante do labor cansativo advindo desse compromisso estruturante do encontro saudável de dois (ou mais), que é o bem viver. É a preguiça que, acumulada, se desvela num desmerecimento absoluto. Quem tem preguiça de amar de um jeito bom não mereceria ser amado de jeito nenhum. Para a  sorte destes (e para o azar de muitos) o amor não é questão de mérito.

Fato é que sem dedicarmos tempo a reconhecermos no amor uma forma, podemos estar apoiando a vida num pedregulho cortante, ou perdendo a possibilidade de amarmos melhor. Há que se compor. Há que se esculpir com suor e esforço, o que se apresente digno de mútua contemplação. E é essencial que se goste de como se gosta e de como se é gostado. Faz sentido admirar-se e respeitar-se enquanto sujeito que ama da melhor maneira que consegue. Isso nos condiciona também enquanto recebedores do amor de outros. Além disso, importa olhar pro amor que se faz junto e esboçar um suado sorriso de satisfação. Um gozo que alimenta a gente de uma certa fome que reside em algum lugar que fica entre a nossa pele e o resto do mundo. 

Porque o amor é para isso. Para contemplação e saciedade dessa fome estranha que parece nascer com a gente. Uma urgência de pertencer e de se aconchegar. Feito uma busca por um novo útero que nos caiba de algum modo. Um refúgio para esse "por enquanto" a que chamamos vida. O problema das fomes é a condição na qual elas se dão. A depender do tamanho da fome, migalhas se tornam banquetes. A depender do desespero por aconchego, um pedregulho pode se confundir com obra de arte abstrata só pra gente arranjar no quê se apoiar. E com o tempo a gente se acostuma às dietas mais indignas e às posições mais desconfortáveis. 

Umas vez o escultor disse que a maneira mais rápida de descobrir as partes essenciais de uma escultura era empurrá-la de um penhasco. Eu diria que quem chega ao ponto de empurrar penhasco abaixo o que tão duramente custou esculpir, pode ser que não compreenda o árduo trabalho de amar. É a forma a que se deve valorizar, e é pela forma que devemos lutar. Quem atira o amor morro abaixo para descobrir o quê de essencial há, ou é por que o essencial já se perdeu de vista, ou porque talvez nunca tenha estado ali, ou ainda porque é mesmo só mais um desajeitado. 

20 de agosto de 2023. 21h52
Phelipe R Veiga





Acheronta movebo.

O pensamento me causa sensações.  Feito um animal faminto te busca. Carregado por ele, voo baixo evitando as preocupações predadoras dos meu...