terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Quero-quero da minha infância.

Me lembro quando eu tinha lá pelos meus cinco ou seis anos havia um tipo de fazenda próximo da minha casa onde minha irmã costumava brincar. Eu insistia em ir junto sob ameaças de minha mãe que dizia "se você não levá-lo você não vai!". Num desses dias minha irmã encontrou um pequeno animal berrante, era um pássaro que havia caído do ninho. Minha irmã levou aquele bichinho pra casa com todo carinho e muita preocupação. Deixamos ele numa gaiola de madeira, e todos os dias antes de ir para o colégio eu assistia aquele animal de olhos arregalados, bico aberto e penugem rala se esticar gritando e gritando, minha irmã misturava um tipo ração marrom com água, e usando um palito de picolé o alimentava. Ele engolia, e quase engasgando gritava de novo. Nada o calava. Creio que gritava por fome e também por gratidão, talvez. Fato é que gritava. Não importa o quanto de cuidado e desejo que de que ficasse bem fosse posto aos seus pés de pássaro, ele gritava. Os dias se passaram e o pássaro tornou-se grande o suficiente para ser solto. Não me lembro como foi aquele dia para minha irmã, mas lembro que para mim não foi um dia muito feliz, quando voltamos àquela fazenda para soltar o Quero-quero de que tínhamos cuidado e o qual havíamos salvado. Lembro de termos ficado seguindo ele com os olhos no céu,  enquanto ele gritava seu "quero, quero, quero" sem fim, que agora ecoava no vazio e parecia bem mais alto. Hoje mais de vinte anos depois me pego deitado na cama, sozinho ou acompanhado, remoendo meus desejos e pensando naquele Quero-quero da infância. De sua vassalagem ambígua ao que é humano, esperando o incomodo do carinho de minha irmã vir alimentá-lo e ao que é natural, que exigia ser saciado com a urgência do seu desejo. De sua inveja, quando preso, dos pássaros livres, e quando livre, do pássaros de estimação. Me pego pensando nele quando salivo na fila do almoço, ou diante dos anúncios de publicidade. O Quero-quero da infância de vinte anos atrás me ajuda a entender o meu desejo, o meu pesar e o quanto eu grito.

Phelipe Ribeiro Veiga
25 de Novembro de 2014 - 09h53

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

...


Se meu desejo fosse um pássaro seria um "Quero-quero".

Phelipe Ribeiro Veiga
12 de novembro de 2014 - 19:49

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Sem título.

Alguém que pega um café no balcão, atende o celular e sorri. Alguém que corre de skate ao som surdo de boa música por uma rua arborizada. Alguém que descansa na grama olhando o céu azul sem enquanto. A coisa é tão simultânea. Passamos protagonistas só de nossas próprias histórias, e todas as outras vão sem a gente, como vagões de um trem do qual desembarcamos. A trajetória do trem continua sem a gente, somos passageiros, e fomos também trens pra tantos passageiros. As vezes fico imaginando seus trilhos, por onde seguiram, que pontes atravessaram, que paisagens, que noites, quantos sóis e quantas chuvas... Essa coisa de estarmos todos ao mesmo tempo em tantos lugares as vezes aflige, mas sempre entretém. Ajuda a gente a fugir da rota e também da rotina. A gente fica sonhando com encruzilhadas, estações onde se possa compartilhar de novo histórias. E esses sonhos multiplicam as possibilidades como um céu estrelado. Ensina que tem coisas que não precisam ser explicitadas, que a gente vê, a gente sente e a gente acredita. Ensina e re-ensina initerruptamente que o que vale não é a resolução dos desencontros que sofremos mas a qualidade dos encontros que a gente tem.




Phelipe Ribeiro Veiga
18 de setembro de 2014 - 16h35




"Meu coração é um vago de acalanto berçando versos de saudade imensa." (Soneto da Contrição)Vinicius de Moraes

terça-feira, 19 de agosto de 2014

As exigências do amor




O amor tem essas exigências. Faz-se preciso como o oxigênio, a água, essas coisas para ele são sustento. 

Como quando ele chega mais tarde, blusa amassada, gravata torta, "hora extra"  ele diz, e vai correndo pro banho, deita e dorme com olhos de bom marido fechados, sorrisos frouxos de menino pós amamentado. A ela só lhe resta um choro reprimido no chuveiro, e um sorriso forçado no café da manha. O amor é cruel, exige essas coisas. Como quando em meio aos vários anos de casamento, filhos grandes como as suas próprias ancas, a pele frouxa, com o marido lendo jornal na cama após transarem, comentando a cotação do dólar, e ela urra intimamente de saudade de paixões mais fugazes, amores menos amáveis, superficiais mas amplos, intensos. A ele cabe a coroa de plástico dando-lhe o direito a seu reino fantástico. A ela o silêncio e a fantasia. 

O amor impõe esses silêncios, essas fantasias. Há essas mentiras necessárias de serem ditas, e de serem críveis, não importando o quão incríveis possam parecer. O amor desvia assuntos como quem poda os espinhos de uma rosa que sabe, necessariamente precisará apertar forte na mão esquerda. O amor evita verdades, reafirma ilusões. Por isso não cai bem investigar o amor, virar ele do avesso, cheirar a roupa do amor, fazer perguntas demais, isso é fustigar os contos afim de achar-lhes fundos de verdade, quando assim o amor não sobrevive. Isso porque o amor tem mais haver com quem gostaríamos de ser e com quem gostaríamos que fossem do que com a realidade de nossas identidades. É desalinho na mais pura essência. Portanto quem ama o amor aceita sua fragilidade e seu desacerto. Quem busca verdade, deve escolher outro sentimento pra ter...






Phelipe Ribeiro Veiga
19 de Agosto de 2014 - 09:17

"Ciúme: Sentimento que nasce no amor e que é produzido pelo medo que a pessoa amada prefira um outro.” Roland Barthes

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Hipótese

Há essas ambições que todos nós compartilhamos, ficamos tentando alcançar e ser do tamanho de nossas sombras. E funciona bem como ela. Acordamos maiores do que somos, vamos diminuindo frente as dificuldades que encontramos até o meio-dia, e depois contra argumentamos, e voltamos a crescer, até que de noite toda a sombra é forçosa, artificial. Nosso fado de toda noite seria desaparecermos por um pouco, mas nos negamos qualquer direito ao desaparecimento. Somos assim ilusões pra nós mesmos, e uns nos outros, tanto que quando morremos nos "ende(usam)" de tal modo, que se vivos, nem nos reconheceríamos. Afinal, acaso nos reconhecemos de algum modo senão nos horóscopos que nos dizem só o que nos admitimos ouvir?! Assim parece ser. Que desacerto é o que somos pros outros e o que pensamos ser. Somos icebergs, sob cada perspectiva temos uma forma, de cada lugar aparentamos de um jeito, e a maior parte do que somos nem mesmo nós mesmos temos consciência, está submerso a nós mesmos. Em pensar que tudo que nós todos queríamos era uma certezazinha que fosse, uma quina de parede, um capacho que fosse que nos desse garantia de ser um lugar seguro. Mas não há. O que há é só desacerto, deriva(ções), subjetivismos. O que pensamos ser é só a metáfora do que somos, o que dizemos é só o epílogo do que temos de fato a dizer. Somos tão piores, e tão melhores do que aparentamos (a nós mesmos). Se ao menos nascêssemos de fato cegos, surdos, vegetais. Quem sabe que benefício traria perder-se em um mundo sem se ludibriar com nenhum sentido, nenhuma sensação? No mundo tudo é hipótese, mesmo a tristeza, a solidão, a morte. Afinal quem disse que morremos? Morre-se para os que se pensam vivos, mas nenhum morto voltou para dizer-nos "De fato, morri!". Quem sabe não dormimos? Quem sabe não acordamos? Pode ser que seja, pode ser que não... Enquanto isso, hipotéticos e patéticos... (que verbo usar?)


Phelipe Ribeiro Veiga
12 de Agosto de 2014 - 16:03



segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A doçura.


A doçura se foi! Nunca mais foi vista! E agora tudo que ela pode ter sido desencanta em versionamentos, ficção, interpretação! Era desilusão de máscara? Talvez! Mas que máscara! Era infantil? Certamente! Mas era feliz, era dócil e doce, digna de ser perseguida! Dançava saltitante, sorria e fazia sorrir, mesmo que em hipóteses de carinhos que todos ensaiavam fazer. A doçura era sonho, era sensação, era encontro a acontecer, a acometer. A doçura não sobreviveu a esses tempos tão modernos. Sucumbiu a um ataque do coração. Ninguém mais a viu, nunca mais. Ouve-se ainda falar de seus estilos, de como o raio de sol ensaiava pelo menos três vezes antes de tocar-lhe o rosto. Ouve-se ainda por aí um insistente "antigamente", de quando ela ainda vagava pelas ruas, pelos cabelos, olhares, toques. Há quem diga que faleceu de morte natural, outros que foi assassinada por um grupo de sinceridades, e há ainda os que dizem ter anotado a placa das paixões que passaram por cima dela. Mas eu particularmente não acredito nessas versões. Acho que ela se foi, ou talvez nunca tenha sido. E agora fica aí feito mito, habitando canções, olhares hipotéticos, declarações ensaiadas e pretensões de confissões que em dias tão práticos jamais se darão de verdade. A doçura era boa demais para gente como a minha gente. O que sobrou? Sobrou o que sobrou, e a tangível saudade do que nunca foi de fato tangível. A falta do que nunca se teve. A doçura se foi e deixou ensaiadas saudades dos dóceis momentos que inspirava, saudades do que era viver, naquele tempo, com tão mais doçura.


Phelipe Ribeiro Veiga

04 de Agosto de 2014 - 17:00


"O amor é o ridículo da vida. A gente procura nele uma pureza impossível, uma pureza que está sempre se pondo. A vida veio e me levou com ela. Sorte é se abandonar e aceitar essa vaga ideia de paraíso que nos persegue, bonita e breve, como borboletas que só vivem 24 horas." Cazuza







domingo, 3 de agosto de 2014

Sem título.

Queriam-me assim?! Pois bem! Assim estou... Ou quem sabe pior, sou! E aparece-me no espelho, como uma espinha imensa na ponta do nariz em dia de cerimônia, a sensação de que não sei ser de outro modo. Ensinaram-me (ou aprendi) errado. Rasuraram meus mapas todos, sabotaram meus valores. Ninguém me avisou que tudo queria dizer o contrário, e será que agora não é tarde?! Onde há verdade senão no desdizer de tudo que me cerca?! Como me reinventar quando percebo que pouco me fiz, e me deixei ser feito acidentalmente além do que gostaria, dei muito poder aos dias, fui permissivo com as circunstâncias erradas? Hoje vivo um grave cisma. O que fazer?! O que ser?! Ah engano! Malditos sofismos modernos! Acreditei! Que lástima! Que cisma! Hoje o espelho se ri de mim! Vontade de adentrá-lo e espancá-lo por sua ingenuidade e prepotência de achar que sabia em quê acreditar! Não é de mim vangloriar outros pelos enganos que cometo. Tendo mais ao contrário, mas dessa vez...  Cai! 

Phelipe Ribeiro Veiga
3 de agosto de 2014

"Assim diz o Senhor: Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço (...)" Livro de Jeremias 17:5

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Sobre a gravidade da doçura.




Uma questão muito séria é a doçura. Porque não há nada mais comovente e apaixonante do que a doçura. Porque o amor tem dessas coisas. É difícil. Não há justeza no amor, nem equivalências, medidas, não há reciprocidades e nem temperos. A coisa vai se dando enquanto vai se fazendo. Aquele que ama e dá espaço ao amor pra ser (pessoalmente não entendo que haja outro modo de amar), sente em seu amor o mundo inteiro. Sente-se sempre doando-se tanto, que pouco provável é que alguém mais doe-se tanto, dê-se tanto, muito menos o objeto desse amor. Mas essa tal doçura, se não me engano, é de tão grande importância, que é ela a força que estica os lábios desenhando o mais bonito sorriso, é como um espreguiçar-se de uma pétala, que se dá tão tímida, e quando se vê, é flor aberta. A doçura gera acidentes tão bonitos e tão necessários ao amor. A doçura pavimenta os caminhos, tira os tropeços e cura feridas, evita que o amor se canse. A doçura amolece os dias ruins, dissolve as mágoas, dilui as incertezas e alivia as insatisfações. A doçura faz perdoar, e pede perdão. E falando em perdoar, que coisa grave é quando no amor não se pede mais perdão. Acha-se que tudo é uma conta já paga, um saldo já quitado, um lugar comum de ser quem se é, acidentalmente ou não. O detalhe (e o perigo vai sempre nos detalhes) é que a doçura vive à luz de atitudes de amor, e a desobrigação de ser doce nubla muitos céus, atrapalha demais, faz muita sombra. Coisa grave é a doçura...


Phelipe Ribeiro Veiga
09 de Julho de 2014 - 14:39


"E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma." Clarice Lispector 

terça-feira, 8 de julho de 2014

Sobre passarinhos.




Há por aí esses passarinhos que, passando por nossas margens de rio, por nossas copas de árvores e nossos vales, trazem seus cantos, suas sementes de longe e se vão. São adereços apaixonantes de paisagens simples. São como percussão, um som sutil que faz toda a diferença na música, mas que só percebemos sua presença quando se foi. Vão embora bem rápido. Não sabemos onde são seus ninhos (ou mesmo se os tem), não sabemos de que direção vieram e muito poucas vezes conseguimos rastrear pra onde foram. Há por aí esses passarinhos que são para nossas paisagens como adornos de segundos, como um laço no ponteiro dos minutos na hora exata do momento presente a se desfazer no minuto seguinte. Não há gaiolas que os contenham (nem mesmo as da memória). Se alimentam não sabemos bem do quê, são um mistério alado. São na verdade como um piscar de olho charmoso da Vida a nos xavecar, trazendo pra gente tesouros que só o que é perecível pode dar.

Phelipe Ribeiro Veiga
08 de Julho de 2014 - 11:35

"Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: As vezes apenas um segundo." Lewis Carroll

terça-feira, 17 de junho de 2014

Sobre a mobília de uma casa sem janelas.

A respeito das coisas mais importantes nunca há muito o que dizer. Há em comum entre todas as coisas complexas uma imensa simplicidade. O que faz com que sejam complexas é talvez o quão irremediáveis são. Irremediável como a nossa existência tão individual. Parte de um todo que não conhecemos, e que jamais nos conhecerá.

Penso (e sinto) que não há nada além de nós mesmos e do que somos. Começamos e terminamos em nós mesmos, presos no visgo de nossas percepções e sensações. Somos uma casa escura, sem janelas, com quadros nas paredes que nós mesmos pintamos, e que acreditamos cegamente representar a realidade. Somos um jardim fechado. Somos o oásis e o deserto, a sede e a água. Ninguém pode semear em nós coisa alguma, quando muito (raramente) podem regar as sementes que nós já trazemos por dentro. Somos a pedra no nosso caminho, somos nossa própria oportunidade de sucesso, carregamos no bolso as chaves de todas as nossas cadeias, a carta de alforria de todas as nossas explorações, a cura de todas as nossas mazelas, e tudo ao inverso também... 

somos um mundo inteiro, e nada mais... 

Phelipe Ribeiro veiga
17 de junho de 2014 - 13:14

"Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta." C.Jung

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Sobre uma paisagem.




Aos poucos tudo vai erodindo. Rachaduras vão aparecendo epidêmicas, raízes vão partindo rochas e abrindo caminhos, as águas vão amolecendo a pedra, dissolvendo a terra e fazendo rios, curvando montanhas, sedimentando vidas mortas. O tempo com a língua dos dias vai consumindo saborosamente todas as coisas, digerindo mundos e produzindo novos. E nessa dinâmica atômica das coisas e suas órbitas, não sou mais que uma partícula composta de tantas partículas de outras partículas. Meu tempo ainda que muito será sempre pouco e a cada dia menor, porque a cada segundo todas as possibilidades do mundo se agigantam mais e mais. E o que faço?! Que insana atitude tomo?
Rasguei todas as passagens, neguei todas as viagens e me conservei a beira-rio vendo a água passar. Já não observo o rio – e ele já se acostumou a minha estadia, na margem esquerda, sob a árvore mais folhosa. E eu mesmo já não olho a paisagem. Sou parte dela. Se a pintam, estou lá. Se alguém a descreve a outro alguém, citam-me. Se anoitece estou lá. Se chove ou há cheias e secas, estou lá. Enraizei-me. Logo eu que clandestino em tantas naves de imaginação me naturalizava em tantos mundos, eu que compunha cenas, inventava mil personagens. Logo eu que jamais temi entalar com o mundo quando tentando tê-lo inteiro em uma só mordida... Enraizei-me aqui à margem. A minha vida me escapou. Essa paisagem silenciosamente amarrou meus destinos todos. Engoliu-me sem me mastigar.
Hoje disputo meu espaço com árvores, formigas, folhas, pássaros, esses que tem por direito  seu lugar nessa paisagem, estavam lá antes de mim – e certamente estarão lá depois de mim. Hoje percebo que distraí-me demais. É preciso mover-me. Achar um leito onde eu mesmo seja rio, onde eu conduza minhas próprias correntes, aninhe meus próprios pássaros, alimente meus próprios peixes. E se por um acaso sentir falta dessa paisagem pela qual me apeguei tão distraidamente, esticarei um ou dois afluentes, e se isso não for possível, descanso. Certamente nos encontraremos. O caminho não é importante, o número de afluentes, os lagos que fará pelo caminho, nada disso realmente importa. Um dia, juntos desaguaremos, e então não haverá mais rio algum. Teremos sido tudo que queríamos ser, e nesse instante inevitável, seremos Mar.

 

11 de Junho de 2014 – 14:56

Phelipe Ribeiro Veiga

domingo, 27 de abril de 2014

Sobre o porque eu estou triste.

Hoje estou triste.
E a minha tristeza se abisma por ter de haver um motivo e eu não ser capaz de achá-lo. Tento circunscrevê-lo. Achar o indivisível da minha tristeza. Há hipóteses...

Estou triste porque há tanto que nunca será. Porque só posso ser eu em detrimento a tantas outras possibilidades de ser, e por ser este um privilégio tão cansativo e doloroso. Estou triste porque a Vida é irremediavelmente surda aos clamores dos homens, enquanto a Morte nos atende mesmo sem jamais a termos chamado. Estou triste porque andei doente, e tem me sobrado braços e me faltado abraços. Porque minha mãe anda longe, e não há colo como o dela, nem há quem se pretenda a suprí-la. Estou triste porque apesar de tudo ser tão feliz, há sempre um pouco de tristeza em todas as coisas. E por falar em todas as coisas, estou triste porque é tudo tão individual, e consequentemente tão só. Estou triste porque tudo é perigoso e arriscado, e a felicidade é móvel, podemos alcançá-la, tocá-la mas jamais segurá-la. Estou triste porque é domingo, e dentre tantas outras coisas inevitáveis, é inevitável a segunda-feira. Por fim, me entristeço por estar tão triste, mesmo podendo estar feliz...

Phelipe Ribeiro Veiga
27 de abril de 2014 - 21:14

domingo, 20 de abril de 2014

Sobre um carnaval em 2007.

Lembro de suas matizes juvenis, de suas juras e certezas. Lembro dos seus risos etílicos. Lembro de seu sambar disfarçado fingindo que sabia mas ao mesmo tempo sem se preocupar em saber. Lembro de seu cigarro frouxo no canto da boca mirando a bola na mesa de sinuca, recitando palavrões como quem declamava Neruda e Manoel de Barros. Lembro de sua saia longa, sua blusa curta, sua sandália que te deixava mais descalça do que te calçava. Lembro de suas broncas, do seu molejo. Lembro de seu corpo personificando toda a anarquia de todos os carnavais. 

Minha estrela que tanto se faz passar por satélite (Seba lá deus - ou Freud - o porquê). Lembro-me tão bem de você! E se bem me lembro, você também acha nostalgia uma coisa das mais bregas que existem, mas não me julgue tão mal. Por um segundo, entenda, na praia da saudade cedo ou tarde se banha toda a humanidade...

Phelipe Ribeiro Veiga
20 de abril de 2014 - 13:56

terça-feira, 8 de abril de 2014

Sobre fotografias.

Não! Não te fotografarei! Guardarei o momento em sensações. Texturas e cheiros, brisa e gostos, me apegarei a essa tridimensional impressão mental com toda fugacidade que lhe cabe. Não irei cravar essa cena em pixels insensíveis que não eternizam e não são nada senão um micro quebra-cabeças que nem conhece nossos nomes e nossos motivos. Confiarei no impacto do momento, na profundidade da minha visão do que somos neste exato momento. Fá-lo-ei eterno enquanto durar a maciez dos lençóis, a cor do sol atravessando a cortina, o som da sua risada preguiçosa. Não fotografarei! Não darei muletas à memória nem minimizarei o momento à realidades de menores dimensões. Vamos deixar de ser eternos por um pouco, vamos gozar (n)a finitude que somos e a que nos cabe. Somos, independente do que seremos.

Phelipe Ribeiro Veiga 
08 de abril de 2014 - 08:46

sábado, 22 de março de 2014

Sobre a erva-passarinho.



Minha existência é um encherto na árvore dos dias. Sou feito a erva-passarinho. Trazido por asas despretensiosas eu me apoio no que por aí existe, absorvo luz, me espalho e daí pego carona nas asas alheias e voo de novo. Não há raiz que me explique, nome científico que me contenha, não há fruto que a mim se determine, desobedeço as estações, e não me importo que me confundam com uma praga qualquer. Sou planta em movimento sem necessidade de vento. Sou o que sou, e a minha caminhada consiste em me assumir tal como vim, erva-viajante de estados de ser, sem compromissos alheios, senão com o que me faz fértil e vivo. A minha Vida está aí pra ser v(í)vida propositalmente. Há!

Phelipe Ribeiro Veiga
22 de março de 2014 - 15:57


sexta-feira, 7 de março de 2014

Sobre o amor, coisa quieta...



Às vezes é preciso deixar o amor coisa quieta, sem cutuca-lo, sem chacoalha-lo, deixa-lo lá, imóvel, sem conferir se está vivo. Às vezes é essencial ao amor um descanso, e até um descaso, mesmo quanto aos seus batimentos (taqui)cardíacos. Deixa dormindo, refletindo, re-sentindo. Deixe-o que se for, foi, e terá ido, e se ficar, farar-se-á mais a si mesmo, o amor confortável é sempre mais amável. E não se deve, nessas vezes, temer algum rancor (o ronco do amor), quem sabe um ressentimento ou dois. Porque não há opostos no mundo, senão compreensões. Desamar e Amar, chorar e sorrir, pensar e sentir, estar junto ou sozinho. Feito a perna esquerda e a direita, sem esses revezamentos, na Vida, não chegaríamos a lugar algum.

 

Phelipe Ribeiro Veiga

07 de Março de 2014 – 15:51

quinta-feira, 6 de março de 2014

Sobre o Acaso.



Por vezes o Acaso se cansa, e se debruça na janela dos acontecimentos e assiste a tudo, e aí nada acontece. Nessas horas a brisa desvia dos cabelos, a coceira evita o meio das costas, o cisco desvia dos olhos e a pedra evita o sapato. Nessas horas os ponteiros demoram tanto a andar que pesam no nariz dos relógios de todos os lugares fazendo rugas no rosto do tempo, e tudo isso porque o Acaso preguiçosamente assiste pela janela dos fatos a tudo e não tem vontade de nada. O rio espelhado faz pecar a paisagem por um excesso de céu, e tudo padece de modo chato e tedioso. O Acaso suspira, e por causa de sua preguiça os amores vão criando teias e os amantes ainda a se conhecerem resolvem ficar em casa e ver televisão, as nuvens retém as chuvas, as folhas pendem desanimadas nos galhos de todas as árvores. Mas o Acaso não liga. O Acaso, que é o ocaso de tudo, guarda mesquinho para si todas as possíveis novidades do mundo, e tudo envelhece feiamente imutável. Isso porque nessas horas o Acaso só suspira, vagueia silencioso em pensamentos e planos, e preguiçosamente não quer fazer nada...



Phelipe Ribeiro Veiga

06 de Março de 2014 – 15:43


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sobre o indizíveis insignificantes.



Quem responderá a carta de amor rasgada? A flor colhida carinhosamente, agora jogada no lixo, quem agradecerá? A poesia nunca lida na contra capa de um livro presenteado? O e-mail nunca aberto, quem responderá? O sentido das palavras ignoradas jamais apreendido por causa de uma distração banal?



Onde moram nossas insensibilidades jardinadas à sombra de nossas mágoas e temores mais queridos? Quem possuirá o mapa de nossas cultivadas hanseníases sentimentais?



O significado das coisas se interpõe entre todos como a coisa mais solitária do mundo. E passou o segundo e tudo se perde, mesmo o que jamais foi. Porque nem mesmo a memória conseguirá nos contar os sentidos. Ela talvez possessiva esconda pra si, ou talvez não saiba como explicar. Porque na Realidade, não há palavra que signifique nada.



E assim a eternidade consiste num inconsistente esquecimento de todos nós, numa dispersão de nossa genética bruta em componentes subatômicos invisíveis, onde nossos amores tão “insignificados” se tornam só ecos inaudíveis recitados na voz de ninguém, ao pé do ouvido de coisa nenhuma. Um dia nunca teremos sido e nossos amores nunca mais terão amado ninguém.  E por fim não haverá fim algum nisso, pois nunca terá havido começos. Hei-nos todos, inexistidos e sem sentidos... desde nunca e para sempre, assim.





E pensar que aprendemos tanta palavra e tudo é tão indizível... que coisa, não?



Phelipe Ribeiro Veiga
24 de Fevereiro de 2014 - 13:46

“Amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer” - J. Lacan

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Sobre um olhar.





Aqueles olhos verdes, ainda não maduros encararam-me friamente, olhos vazios que diziam-me de uma universalidade de coisas vazias e de desproporcionalidades vazias e desfazimentos inteiramente vazios. Diziam-me de marcas deixadas na casca de uma árvore, iniciais, corações, promessas de amor eterno pelos quais agora a árvore era inquerida de fazer-se cumprir, arranhões que nada tinham a ver com ela, eram partes da árvore à revelia de sua própria vontade. Aqueles olhos diziam-me de vontades contrárias aos gostos, e de desgostos contrários às vontades. Aqueles olhos me disseram tantas coisas por tantas horas, dias, meses e anos, e só havia se passado de fato uns dez segundos. E naquele percurso de segundos intensamente eternos, amadureceram os olhos, e de tão maduros, caíram das faces deixando órbitas mais escuras que as da Terra... e agora os olhos ao chão, desta vez ultrapassadas as maturidades devidas, apodrecendo, já não diziam mais nada, já não me encarava, tudo estava dito, bastava falar.

Phelipe Ribeiro Veiga
19 de Fevereiro de 2014 - 11:19

"Não se mexa! Não diga nada! Não me toque! Não me interrompa! Deixe-me falar!" - Emmy Von N - Paciente de Sigmund Freud

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Em algum lugar...

 
 
O sol queima a terra, e a Terra. E neste momento em algum lugar alguém acaricia um rosto, um rosto ainda qualquer, futuramente único, o primeiro que os olhos do meu filho ainda não nascido conhecerão. Há uma lágrima em algum lugar irrigando um piso frio, uma mulher correndo na rua e esbarrando em um homem, gerando um atraso, causando um encontro, construindo um amor, gerando os pais dos filhos que um dia me verão falar em uma ocasião qualquer, em um lugar qualquer. Em algum lugar uma taça de vinho se precipita de uma mesa e o vinho escorre em ondas de ressaca microscópica sobre um tapete branco. Em algum lugar nasce um menino que vai escrever um livro que vai mudar a minha Vida. Em algum lugar batimentos cardíacos se aceleram, um peito pulsa feito um núcleo atômico. Bocas em erupção declaram amores por palavras efervescentes. Abraços se rompem feito cordas que se arrebentam. O mundo lança-se desesperado e aos berros ao chão em plena histeria, e quando sossegado, se contorce em aguda obsessão. A Vida não conhece o silêncio. Não sabe nem mesmo o nome da calma. A paisagem mais pacífica esconde reações quânticas capazes de construir universos. Tudo explode, tudo. O sol queima a Terra. E em algum lugar massageiam as mãos que lançarão sobre minha tumba a primeira pá de terra, queimada...
 
Phelipe Ribeiro Veiga
05 de Fevereiro de 2014 - 14:05
 
"Nossas vidas não são nossas. Desde o útero até o túmulo estamos ligados a outra pessoa. No passado e no presente. E com cada crime e cada boa ação fazemos renascer o futuro." (David Mitchell - Cloud Atlas)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Sobre lembranças e desejos.



O tempo passou, e lembro de mim, menino, sentado sozinho no quintal de casa olhando as estrelas, fazendo orações em forma de desejo, afim de que todas despencassem cadentes para eu me realizar. 

Tanto caminho, tanto riso e choro. Quantos dias se passaram. 

Olho hoje outros céus, repito hoje num diferente quintal, eu, agora homem, mesmo que ainda um tanto menino, as mesmas orações às mesmas estrelas, que só fizeram em todo esse tempo um piscar sem fim, ainda afim de vê-las despencar cadentes para eu me realizar.

Mudamos em décadas menos que as estrelas milenares... Quanto desejo! Quanto pulsar! Será?!

Phelipe Ribeiro Veiga
15 de Janeiro de 2013 - 23:41


(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...