quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Sobre o amor fazer pouco de mim.




São cinco refeições por dia somando 2300 a 2700 calorias.
Três banhos, e não mais que isso, mesmo se estiver calor.
A cama feita, a barba aparada e o cabelo penteado.
Os compromissos no lugar e na hora, o trabalho em dia e as contas pagas.
A vida gira num automático e é preciso mover-se a si mesmo, autômato. 
Mas isso é espetáculo, afinal.

A verdade é que o amor faz pouco de mim.
Reside invasora num cômodo dos fundos da casa em ruínas que sou 
e festeja sozinha um não sei o quê. 
Faz pra me irritar, pra me atingir, pra ostentar uma alegria a mim inacessível. 
Ela ri caprichosamente da minha desgraça 
e caçoa da minha falta de limite, da minha ausência de noção.
É uma bruaca assustadora e risonha, que quebra as minhas coisas e depois anda por cima dos cacos de vidro mas quem se corta sou eu.
Ela dança com uma taça na mão, bêbada, pisando sobre o meu orgulho e na minha razão. 
Faz um origami com minha estima e lança, 
passarinho de papel, na noite escura e chuvosa lá fora.
Eu não sei como desalojá-la e ainda não sei qual de nós dois acabará fora de mim.
Enquanto não resolvo seu despejo, há uma conduta a seguir.

É preciso chorar baixo, manter a postura e não se vitimizar. 
O ridículo precisa ser vivido reservadamente. 
O soluçar, abafado. 
Os murmúrios de rendição, secretíssimos. 
O ímpeto por desistir, jamais confesso.
É preciso desmoronar apenas por dentro e sem ruídos grandes. 
Por fora é músculo, pele, pelos, roupa e alinhamento.
É sorriso e confiança. 

E eu levo adiante esse espetáculo de orçamento baixo 
para um público pífio que me assiste com cara de tédio. 

Sorrio com o canto da boca trêmulo e os ombros encaixados ajustadamente.
E enquanto eu penso se passo no teste, se convenço os transeuntes de minha super/ação
ouço inequívoca a gargalhada alta e debochada do amor dentro da minha cabeça. 
O ridículo sou eu e o amor seguirá ainda fazendo pouco de mim.

Não há.

Phelipe Ribeiro Veiga
01 de fevereiro de 2023, 13h54

"Puedo escribir los versos más tristes esta noche. 
Yo la quise, y a veces ella también me quiso." Pablo Neruda

"A luz negra de um destino cruelIlumina um teatro sem corOnde estou desempenhando o papelDe palhaço do amor" - Nelsom Cavaquinho




(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...