terça-feira, 17 de junho de 2014

Sobre a mobília de uma casa sem janelas.

A respeito das coisas mais importantes nunca há muito o que dizer. Há em comum entre todas as coisas complexas uma imensa simplicidade. O que faz com que sejam complexas é talvez o quão irremediáveis são. Irremediável como a nossa existência tão individual. Parte de um todo que não conhecemos, e que jamais nos conhecerá.

Penso (e sinto) que não há nada além de nós mesmos e do que somos. Começamos e terminamos em nós mesmos, presos no visgo de nossas percepções e sensações. Somos uma casa escura, sem janelas, com quadros nas paredes que nós mesmos pintamos, e que acreditamos cegamente representar a realidade. Somos um jardim fechado. Somos o oásis e o deserto, a sede e a água. Ninguém pode semear em nós coisa alguma, quando muito (raramente) podem regar as sementes que nós já trazemos por dentro. Somos a pedra no nosso caminho, somos nossa própria oportunidade de sucesso, carregamos no bolso as chaves de todas as nossas cadeias, a carta de alforria de todas as nossas explorações, a cura de todas as nossas mazelas, e tudo ao inverso também... 

somos um mundo inteiro, e nada mais... 

Phelipe Ribeiro veiga
17 de junho de 2014 - 13:14

"Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta." C.Jung

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Sobre uma paisagem.




Aos poucos tudo vai erodindo. Rachaduras vão aparecendo epidêmicas, raízes vão partindo rochas e abrindo caminhos, as águas vão amolecendo a pedra, dissolvendo a terra e fazendo rios, curvando montanhas, sedimentando vidas mortas. O tempo com a língua dos dias vai consumindo saborosamente todas as coisas, digerindo mundos e produzindo novos. E nessa dinâmica atômica das coisas e suas órbitas, não sou mais que uma partícula composta de tantas partículas de outras partículas. Meu tempo ainda que muito será sempre pouco e a cada dia menor, porque a cada segundo todas as possibilidades do mundo se agigantam mais e mais. E o que faço?! Que insana atitude tomo?
Rasguei todas as passagens, neguei todas as viagens e me conservei a beira-rio vendo a água passar. Já não observo o rio – e ele já se acostumou a minha estadia, na margem esquerda, sob a árvore mais folhosa. E eu mesmo já não olho a paisagem. Sou parte dela. Se a pintam, estou lá. Se alguém a descreve a outro alguém, citam-me. Se anoitece estou lá. Se chove ou há cheias e secas, estou lá. Enraizei-me. Logo eu que clandestino em tantas naves de imaginação me naturalizava em tantos mundos, eu que compunha cenas, inventava mil personagens. Logo eu que jamais temi entalar com o mundo quando tentando tê-lo inteiro em uma só mordida... Enraizei-me aqui à margem. A minha vida me escapou. Essa paisagem silenciosamente amarrou meus destinos todos. Engoliu-me sem me mastigar.
Hoje disputo meu espaço com árvores, formigas, folhas, pássaros, esses que tem por direito  seu lugar nessa paisagem, estavam lá antes de mim – e certamente estarão lá depois de mim. Hoje percebo que distraí-me demais. É preciso mover-me. Achar um leito onde eu mesmo seja rio, onde eu conduza minhas próprias correntes, aninhe meus próprios pássaros, alimente meus próprios peixes. E se por um acaso sentir falta dessa paisagem pela qual me apeguei tão distraidamente, esticarei um ou dois afluentes, e se isso não for possível, descanso. Certamente nos encontraremos. O caminho não é importante, o número de afluentes, os lagos que fará pelo caminho, nada disso realmente importa. Um dia, juntos desaguaremos, e então não haverá mais rio algum. Teremos sido tudo que queríamos ser, e nesse instante inevitável, seremos Mar.

 

11 de Junho de 2014 – 14:56

Phelipe Ribeiro Veiga

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...