sábado, 19 de junho de 2010

Rato - 19 de Junho de 2010 - 20:24



Meu pai já me dizia desde bem cedo, desafiando-me a fazer proezas "És um homem ou um rato?".

Ah Seu Jorge, se tu fostes um pouco mais corajoso pra olhar-me nos olhos nos dias de hoje e me fazer de novo essa pergunta, responderia com o orgulho reservado aos homens que sabem que são homens (e não deuses) que sou o mais infame dos ratos.

Sigo "celebrando a vida em bebedeiras e literatura" (Pessoa) e nada mais. Roedor de sentimentos é o que sou, um touro manso, castrado, falido, impedido de todo, rulminando os fatos de antes de ontem.

Rato.

Pois quem é que admitirá a verdade a respeito de si mesmo?
Quem nunca invejou?
Quem nunca traiu?
Quem nunca mentiu e enganou?
Quem nunca desejou o que não devia?
Quem nunca possuiu o que não queria por pura hipocrisia?
Quem admitiria tais coisas senão os ratos?
Quem tomaria posse de forma nua e crua de tais fatos?
Quem confessaria, mesmo que a si mesmo, a realIDADE de seus intentos?
Quem confessaria, mesmo que por uma piada ubuesca o que se passa em seus próprios pensamentos?

Não há no mundo homens pra isso, senão os ratos...

Eu invejo SIM

quem foi mais agraciado pela natureza
quem foi mais apreciado pelos homens
quem foi mais amado pelos amantes
quem foi mais cuidado pelos pais
quem foi mais afortunado pelo acaso
quem foi mais feliz pelas escolhas

Invejo todos eles, a despeito de mim mesmo e do que sou, e dos que de mim invejam minha miserável condição de roedor... invejo todos.

Sou um invejoso, olho com ciume os casais nas praças e os idosos em suas casas construídas a tempos, e os ricos nos carros e os pobres em sua vida leve, levados feito crianças pela mão de sorte nenhuma. Vivo a vida alheia em imaginação, futil, fortuita, invejosa, ciumenta e mais do que tudo, inadequada...

Como rato que sou,

faço da minha poesia minha psicanálise de cada dia
e confesso
sou invejoso, ciumento e inadaptado
sou hora homem, hora menos que isso
mas mais do que nada, acima de tudo


Rato.


[PH]elipe Ribeiro Veiga

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Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Poema em Linha Reta - Fernando Pessoa

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Me deixem amolar e esmurrar
A faca cega, cega da paixão
E dar tiros a esmo e ferir
O mesmo cego coração
Mal Nenhum - Cazuza

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Poesia pra quê? - 9 de Junho de 2010 - 16:30



Arre! Que dizer da utilidade da poesia nessa vida?
Me diga você, pra quê poesia?
Se a gente ainda acorda com os olhos colados pelas lágrimas que sofremos em sonho, e fedemos, e andamos e andamos como quem conhece algum caminho.


Descansa meu caro Quixote!
Tudo na vida, desde o amor a morte,
é tudo moinho!


Pra quê poesia? Me diga, pra quê?

Se a gente se come e ainda assim dorme urrando de fome. E se nos multiplicamos e enchemos a terra, e só o que aumenta é o vazio do mundo e a nossa solidão.


Descansa meu caro Hamlet!
Que de nada te importa ser ou deixar de ser,
porque "é tudo luz e sonhos"(cazuza) afinal, e nós não passamos de nós no cordão umbilical de Deus.


[E de repente me ocorre...]


Ah poesia minha, vadiagem minha! Se te julgo a ti tão inútil assim, que direi para justificar-me? Diga-me, que direi em minha defesa e em razão de minha existência?

Eu.
Poeta de peito quente e coração gelado que vive o fingimento da realidade como se houvesse alguma verdade no que chamo verdadeiro.
Eu.
Dono de toda a medíocridade que cabe a um ser vindo do barro, primo esnobe de símios que pensa ter descoberto o amor.

És tú meu espólio do mundo, o que veio comigo seja lá de onde eu vim, e vai comigo seja lá pra onde vou depois daqui. Assim descubro que vivo pra ti, e descubro que não sou homem, pois não sirvo a que servem os homens. Sou poeta. Sim, com toda indefinição que possa definir a palavra, eu sou poeta. Há poesia, e porque há poesia há poeta, e porque você é... eu sou, e assim somos... e vamos sendo...


[PH]elipe R. Veiga

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O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente.
Que chega a fingir que é dor.
A dor que deveras sente.
(Fernando Pessoa)

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Poetas e loucos aos poucos
cantores do porvir.
E mágicos das frases endiabradas sem o mel
Trago boas novas, bobagens num papel.
(Cazuza)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Madrugada - 04 de Junho de 2010 - 03:40


Tenho no peito nesse instante o peso do mundo inteiro, e a impressão de que tudo que penso é quase erro... A sensação de que cada pé que me carrega quer seguir pra uma direção, e que meus lábios, minha lingua e meu pensamento vivem discordando e se atropelando.

Tenho um medo de ser, um pavor de estar, e ao mesmo tempo o horror de não sentir coisa nenhuma. Tenho arrepios diante do que é esquecido, calafrios diante do que está perdido e verdadeiro desespero diante dos fatos que certamente ainda me atingirão. Sinto, e sinto tanto que sinto mais, e sinto muito por sentir muito, porque dói.

Eis que meu coração foi fecundado por um sorriso, e agora sofre as contrações do nascimento da saudade de uma vivência que ainda nem aconteceu. Quanto medo tenho eu dos meus semelhantes! Me desespero às três da manhã por nem sei o quê, escrevo até a mão doer, e espero, dormirei com a cabeça a explodir, e o peito a desmoronar diante de coisa alguma real.

Ah realidade que eu criei! Ah mente sadiana desgraçada! Se acaso a realidade das coisas é nossa pra dela fazermos o que bem entendermos, porque é que dentre tantos fatos, escolhestes o assombro e o pavor de uma jaula invisível como esta? Quem me dera saber ser de outro jeito e não assim... tão... eu.

[PH]elipe R. Veiga
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"Pensar profundamente é uma alegria, mas sentir profundamente é uma maldição." - Fernando Pessoa


Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa...

Pai! Afasta de mim esse cálice - Chico Buarque


terça-feira, 1 de junho de 2010

Carta ao Mar - 1 de Junho de 2009 - 16:16


Meu amor,


hoje meu telefone tocou para me lembrar de que a vida continuou sem você... e o que me assombra mais é perceber que a minha também tem seguido rio abaixo, ao encontro do grande mar onde desaguam todas as vidas, deixando-te náufrago rio acima, fitando-me ao longe com olhos de adeus.

Meu tesouro passado, ausência presente... que falta você me faz.

Hoje descobri que teu corpo sucumbiu e deixou no lugar um espectro, uma sombra de ti chamada saudade, que me abraça, me segura, me empurra adiante.

Descobri sobre ti, fórmula exata e tardia do meu desejo, que tu és minha predileta razão pra descer ao encontro do mar, moldando os leitos do mundo, arrastando-me pelos dias, fazendo-os durar, dando-lhes intensidade e cor, para que meu caminho até lá gere histórias, valha a pena, e ao chegar lá, onde você me aguarda com olhos de boas vindas, possa eu ter muita coisa pra contar.


Com imensurável saudade e amor.


Phelipe R. Veiga

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Time ask no questions, it goes on without you
Leaving you behind if you can't stand the pace
The world keeps on spinning
Can't stop it, if you tried to
This best part is danger staring you in the face
You Gotta Be - Des'ree

"Iluminar a vida já que a morte cai do azul" - Caetano Veloso

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...