Sento e contemplo a partida de mais uma balsa rasgando as águas com gente acenando ao que fica e mirando no que há nesse horizonte plano tão cheio de relevos invisíveis.
Ali sentado no banco à beira do Rio assisto a partida. por que todo mundo logra partir e eu só consigo estar partido? Seria isso parte de minha oficiosa vida de vendedor de tickets alheios? Ganho a vida contemplando destinos, averiguando possibilidades de outros, mas meu crachá segue pendurado na altura do peito que levo tão partido que nem se reconhece como tal. Uma âncora credencial descansando a seco sobre um coração em pó. Um punhado de areia sem água que lhe faça praia. Uma beira de rio em época de grave estio. Uma poeira terrosa que a brisa afaga mas que se nega a carregar-la pelo muito peso e densidade que tem. Faz já muito tempo que sonho com essa fuga Montevidana. Mas parece que por mais que caminhe é só por dentro dessa mesma estação na qual sigo residindo. Restando. E é por dentro dessa exposição que me arrisco e dou meia volta. Na impossibilidade de avançar eu fuxico o ontem em busca de algum amanhã. “Vuelvo al Sur”, afinal, “Oeste é meu norte”.
Ando "fazendo festinha em mim mesmo como um neném até dormir", e é o que tem dado pra fazer. Tenho comemorado todas as festas e chorado todos os eventos aqui mesmo, na estação, segurando esse bilhete vencido, amassado, sem data ou destino com as duas mãos. Não é o que queria pra mim mas é o que tem dado pra fazer. Ser e estar da melhor maneira que dá. Não há tudo ou mesmo muita coisa, parece, mas alguma coisa ainda há.
E aqui sigo sentado, vendo mais uma balsa zarpar.
Volto ao sul. E o sol do céu do sul, já tão sem dono, é frio. Invernal. Volto ao sul tanto quanto se é possível voltar a qualquer lugar. Volto ao sul em busca de uma absolvição qualquer, uma solução (salobra) ou um batismo no Rio da Prata que me faça nova criatura e me ajude a desancorar. Volto como quem volta mas tentando avançar. E a impossibilidade se senta em meu peito e me impede respirar.
Não se equivoque, me quero(,) bem.
Montevideo, 15 de junio de 2023
Phelipe Ribeiro Veiga
“E o meu coração embora finja fazer mil viagens fica batendo parado naquela estação” (CV)
“Aprenderás a llevar tu vida en una maleta
Y cuando la pena aprieta se llora antes de cantar” (Canca)