sábado, 21 de julho de 2012

Sobre a iminência...

Foto: Primo Tacca Neto

Ela vem se arrastando, eu a ouço nos silêncios das ruas vazias que corto. Veja, é como se eu não estivesse lá. Há algo de terceira pessoa em tudo que vivo, que faço, que penso. E eu sei que ela está perto. Não sei seu rosto, sua intenção, seu nome, apenas a pressinto. a verdade é que vou me sentindo mais e mais próximo de cometer um crime, de descobrir o que não devia sobre minha própria Vida. As vezes me parece que ela se aproxima de mim, as vezes eu dela, as vezes penso ser ela meu segredo proibido que hei de descobrir, às vezes que ela quer me impedir de descobrir, ou estar lá para me flagrar em descoberta do que deveria ficar coberto. Há um clímax próximo, há um algo a acontecer em breve, vai explodir!

E você só percebe o quão louco está quando não acha em toda sua lista mental de contatos possíveis uma só pessoa com quem você possa contar sobre essa angústia inominável, iminente, secreta, incompreendida, quando tudo que te resta é rastrear inconcebivelmente a companhia ingênua de quem sem saber pode talvez, te acalmar. O fato é que não há louco no mundo que entenda a loucura da sanidade que construí ao redor das minhas loucuras. Nem eu mesmo entendo, nem eu mesmo sei. Gastei minha vida toda até aqui desenhando um mapa de uma terra que eu inventei, de um tesouro que sou eu quem escondi de mim mesmo, e agora empreendo uma busca diária atrás de encontrá-lo. 

Há um quê de trágico no descobrir-se o que há de ser descoberto, e ela vem se aproximando. Ouço seus passos. Talvez seja a loucura, talvez seja a solidão maciça e intransponível, talvez seja a morte, pode ser tudo, mas o que sei que há é um breu que cobre todos os amanhãs, desperdiçando-se em excesso, iluminando-se no hoje, sendo fosforescente no ontem. Tudo que fui não combina com o que sou, e assim sendo o que chamo de passado nunca fui, o que chamo de presente corrompe-se toda noite numa denegação voraz, e o que serei é escuridão completa, palpável de tal modo que posso pôr na boca e provar seu gosto de amargo e mentolado. 

O que sou hoje? Amanhã lembrar-me-ei o quão patético fui. Um babaca que só queria ver o nascer de um sol novo, mas não suportou a própria companhia e foi dormir. 

Não há!

Phelipe Ribeiro Veiga
22 de Julho de 2012 - 02:02

"O que eu sou hoje? É terem vendido a casa." - Fernando Pessoa.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sobre uma quase prece por não ter pressa.



Enquanto a Vida me dá preguiça, eu vou percebendo mais e mais gentes correndo nas escadas rolantes, agitando objetos e batucando em filas de esperas, sacudindo pernas sob mesas. A pressa tem acometido o mundo, tem mordiscado os relógios das pessoas, deixando-os com menos horas pra viver, gastando seus momentos feito a loucura incendiando fortunas, e eu vou sentindo uma necessidade de anoitecer mais cedo, de me aquiescer só no momento agradável. Vou me atendo a um não ater-me a nada. Enquanto tudo corre, os jovens acometem-se de velhice, doença e morte prematuramente, eu vou exigindo de mim menos aceleração. Soltei as mãos de quem me puxava a correr, quero caminhar de mãos livres pra apontar, acariciar e colher flores pelo caminho que eu passar, mesmo que isso me fira em um espinho ou dois. Quero achar meu ritmo, meu tom, minha velocidade média sem deltas de tempos e distâncias, quero fazer minha própria formula pra achar o meu x de questão. Quero ser de novo algo novo nesse momento que, agora, já é passado. Quero me permitir não produzir, não correr, quero atrasar, e de propósito quero não chegar lá, quero desviar do pódio, quero por agora um terceiro lugar, menor, com menos desassossegos. Quero mudar a trilha, sair dos trilhos, fazer fumaça em outras fogueiras, quero soprar pra dentro de mim mesmo e bagunçar os cabelos da minha imaginação. Quero ser a contra-versão dessa correria produtiva que só faz estardalhar e mal pro coração. Quero aplacar essa pressa que tenho de não ter pressa nunca mais.

Phelipe Ribeiro Veiga
12 de Julho de 2012 - 23:58

"Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: As vezes apenas um segundo."  Lewis Carol - Alice no País das Maravilhas


domingo, 8 de julho de 2012

Sobre o porque da recordação.


Não sei que juízo me acometerá depois de tudo, quando já não for. Todavia vivo tentando a impugnação própria, e ser inocentado ao menos pelos que amo. Se há pecado de qualquer lado dos trópicos de meu coração, seria não viver, pois quando se toma consciência do todo indivisível que somos, e de que cada segundo é O Presente, não há perda de tempo. O que perdemos é a atenção ao tempo, mas ele segue mesmo assim, sem se preocupar. A Vida segue pra morte mesmo de olhos fechados, ela sabe o caminho, "decorado".
E sabendo disso, quando fico só eu me aproveito, aconchego-me a mim, faço-me companhia, converso comigo, ouço queixas e reflexões. Expando-me pra dentro.
Hoje revirava uma caixa de memórias e me confessei a mim mesmo. Preciso dessas evidências em defesa própria. Provo-me a mim. Tenho vivido sem enquanto!!
Satisfiz-me em meu jeito de ser, abracei-me, e assim vou sendo... Juntando os cacos dos dias sabendo que isso não é tudo, mas é parte de um todo que sou, e que graças a Vida não sou só meu.

Phelipe Ribeiro Veiga
08 de julho de 2012-17:35

"só quem se mostra se encontra, ainda que se perca no caminho" -Cazuza


domingo, 1 de julho de 2012

Sobre o desacato da imaginação.




A solidão vai se tecendo na minha garganta como um visgo, formada por cada palavra que a Vida não me dá ocasião de enunciar. A solidão não se dissolve por nada. Ela é filha de cada momento de desencontro entre o que "é" e o que eu imaginei. O fato é que meu coração é uma arma de fogo carregada e apontada para minha própria cabeça. Mesmo meus passos mais otimistas desacatam minha imaginação. O problema é que a Vida é impossível. Um possível quarto dela se foi, e quem sou? O que fiz? Meus dias são anseios por sextas-feiras, lamentos por segundas e reclamações e muitas outras coisas, mas acima de tudo, mais que qualquer coisa, imaginação. A Vida reclama de mim, e eu reclamo da Vida. Amo a Vida, mas sinto-me por vezes apaixonado por uma prostituta que vive a me trair com quem lhe pagar mais. 
Sei o que você pode estar pensando. "Onde está o otimismo do poeta?"
Pois bem, estou naqueles dias onde tudo é claudicante, tudo vacila, onde se percebe que está mesmo tudo por um fio. Onde fica claro que pode ser que nada seja, nunca, jamais. Onde se percebe que apesar de tudo, depois de tanto fazer, nada se tem senão um orgulho oco de, por mais que não tenha se obtido um sucesso, empreendeu-se um belo esforço. Besteiras de quem não somente deixou de vencer, mas de quem fracassou.
Hoje vou dormir com um cigarro aceso preso aos meus dedos, e deixarei ele queimar, torturarei minhas mãos langorosamente, simularei a dor dos dias. Talvez assim eu não sinta tanto o meu peito criminoso. Talvez assim eu sinta algo que me impeça de sentir.
Hoje durmo expandido, silencioso, escuro, vazio, oco. 
Hoje eu não vou adormecer, eu vou me esconder de mim. 
Hoje eu vou realizar o que vivo a denegar. Eu nunca estive comigo, jamais me encontrei.
A solidão que sinto é finalmente revelada. Abandonei-me. Estou sozinho de mim.
Talvez realizando isso de fato algo possa mudar, talvez algo mude, mesmo que seja tão somente um novo gosto para as coisas de sempre. Talvez.

Phelipe Ribeiro Veiga
01 de Julho de 2012 - 21:59

"Sempre só eu vivo procurando alguém que sofra como eu também, mas não consigo achar ninguém" - Nelson do Cavaquinho

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...