domingo, 1 de julho de 2012

Sobre o desacato da imaginação.




A solidão vai se tecendo na minha garganta como um visgo, formada por cada palavra que a Vida não me dá ocasião de enunciar. A solidão não se dissolve por nada. Ela é filha de cada momento de desencontro entre o que "é" e o que eu imaginei. O fato é que meu coração é uma arma de fogo carregada e apontada para minha própria cabeça. Mesmo meus passos mais otimistas desacatam minha imaginação. O problema é que a Vida é impossível. Um possível quarto dela se foi, e quem sou? O que fiz? Meus dias são anseios por sextas-feiras, lamentos por segundas e reclamações e muitas outras coisas, mas acima de tudo, mais que qualquer coisa, imaginação. A Vida reclama de mim, e eu reclamo da Vida. Amo a Vida, mas sinto-me por vezes apaixonado por uma prostituta que vive a me trair com quem lhe pagar mais. 
Sei o que você pode estar pensando. "Onde está o otimismo do poeta?"
Pois bem, estou naqueles dias onde tudo é claudicante, tudo vacila, onde se percebe que está mesmo tudo por um fio. Onde fica claro que pode ser que nada seja, nunca, jamais. Onde se percebe que apesar de tudo, depois de tanto fazer, nada se tem senão um orgulho oco de, por mais que não tenha se obtido um sucesso, empreendeu-se um belo esforço. Besteiras de quem não somente deixou de vencer, mas de quem fracassou.
Hoje vou dormir com um cigarro aceso preso aos meus dedos, e deixarei ele queimar, torturarei minhas mãos langorosamente, simularei a dor dos dias. Talvez assim eu não sinta tanto o meu peito criminoso. Talvez assim eu sinta algo que me impeça de sentir.
Hoje durmo expandido, silencioso, escuro, vazio, oco. 
Hoje eu não vou adormecer, eu vou me esconder de mim. 
Hoje eu vou realizar o que vivo a denegar. Eu nunca estive comigo, jamais me encontrei.
A solidão que sinto é finalmente revelada. Abandonei-me. Estou sozinho de mim.
Talvez realizando isso de fato algo possa mudar, talvez algo mude, mesmo que seja tão somente um novo gosto para as coisas de sempre. Talvez.

Phelipe Ribeiro Veiga
01 de Julho de 2012 - 21:59

"Sempre só eu vivo procurando alguém que sofra como eu também, mas não consigo achar ninguém" - Nelson do Cavaquinho

Um comentário:

Hudson Túlio disse...

Que bom que os posts voltaram. Estava sentindo falta da sua sensibilidade, do seu olhar atento e preciso (estetizado) de ver a realidade. Apareça mais por aqui, é meu pedido.

(...)

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