quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sobre uma meretriz desesperada.



A Poesia me abordou feito uma meretriz desesperada, com muitas fomes, cheia de urgências, como uma mulher no cio. Ela me cobrou tudo que sou sem me dar chance de dizer não e ofereceu-me em troca uma noite eterna, e orgasmos sem enquanto. Rasgou tudo que me encobria, exigiu de mim a nudez da alma. Fez-me suportar o frio de minha própria existência. Me despiu feito a luz que despe a sombra, rasgou minha primeira e minha segunda  e minha terceira pele, alojou-se no subsolo dos meus sentimentos, erodiu minhas identidades todas. A Poesia me bagunçou inteiro, fez de mim caos, cacos, pedaços de um todo que vou remontando enquanto ela bagunça de novo. A Poesia me mutilou inteiro, roubou meus sentidos, meus membros todos, nem mesmo meu sexo escapou. A Poesia me fez fetiche do meu próprio fetiche. Fez-me voyeur do milagre natural da Vida. Fez da sensação o centro da galáxia, um imenso buraco negro onde não há tempo ou espaço. Pôs o meu amor do avesso. A Poesia usurpou de mim o principado de mim mesmo. Fez-me só olhos, e em cada poro meu ela emula uma diferente expressão. Ela ri e chora em mim e de mim, goza com meu prazer e com meu horror e não hesita em rimar mesmo meu mais tenebroso pavor, sou seu caminho pro tudo e pro nada, e ela é a minha Vida inteira. A Poesia me matou e me fez viver para sempre. Sou a subtração de todas as coisas que eu poderia ter sido, e a soma de tudo que jamais pensei me tornar por causa dela, a Poesia fez isso tudo por puro capricho. A Poesia roubou-me a Vida inteira, me deu a vocação da Morte por afogamento em tudo que a Vida faz sentir e finge ser. Somos!

Phelipe Ribeiro Veiga
26 de Dezembro de 2012 - 22:09

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Reflexões Sobre viver.




Tudo velho de novo. A Vida insiste em alguns pontos, e por mais que eu entenda que há propósito em cada simples impulso de seu fluxo natural e desproposital, me canso de reabrir as mesmas feridas, e cuidar para sará-las de novo e de novo...

A sofisticação alcança tudo ao redor, mas o peito bate do mesmo jeito primitivo que batia há dez mil anos. Por dentro nada mudou. O que ocorre, tristemente é que só florescemos as sementes que a natureza vem semeando na gente de tempos em tempos. Em tudo que somos bons, ficamos melhores. Em tudo que somos mal, nos tornamos piores. Achamos formas certas de fazer as coisas erradas e assim seguimos com pressa se sermos seja lá o quê, chegarmos seja lá onde...

A pequenez se engrandece de ano em ano. Convenço-me da finitude, dói-me saudades de quem se foi, sente-se medo da ida de quem está, e receio pelo quê e quem está por vir. Enobrece-me a minha condição humana enquanto ser profundamente covarde que sou. Tudo que minha espécie fez não foi para promulgar a grandeza da Vida, a imensidão do fato de estarmos aqui, intensificar a nossa experiência enquanto seres vivos e sensíveis a nós mesmos e aos que nos cercam. Tudo que nós fizemos foi dissolver o que somos no máximo de dias possíveis, com o mínimo de riscos, com a maior probabilidade de... durar.

Tenho tentado seguir um caminho excelente. Fugir da sobre-vivência. Mas horas há que minha natureza medonha fala mais alto e atropela minhas paixões. Quem sou? O que sou? Há tantos... Calemo-nos. 
No silêncio pode morar a paz. Pode ser que more... 
Tolices...

Phelipe Ribeiro Veiga
24 de Dezembro de 2012 - 12:17




sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Sobre a grave idade (o último epitáfio de anos).

 
 
Há gravidade, a gravidade... Ah gravidade!
 
A realidade?!
 
Há grave idade!
 
Somadas não há nada mais grave!
 
O fato é que tenho sentido as coisas de modo mais grave, a maternidade de minha mãe, a amizade dos meus amigos, a obrigatoriedade do trabalho.Tudo tem sido grave feito um grande evento de proporções tão individuais quanto microscópicas.
 
Houve um tempo onde celebrava a passagem dos anos, refletia passados, avaliava o saldo da Vida.. Pensava... "é... Foi bom! Há de ser melhor"
 
Hoje não mais.
 
A partir de agora não faço mais epitáfios de anos, sendo este meu último. Não celebrarei mais de forma tão avaliativa ciclos que na verdade não são, mas gozarei do todo indivizível da Vida, indiscriminável, inseparável desde aquela quarta-feira de 25 anos atrás.
 
Não espero melhoras, não espero pioras também para a data de amanhã. A Vida se dá por sentimentos, sensações, e não por frações do tempo, insinuações quantitativas da nossa passagem furtiva pelo que somos.
 
A Vida ignora calendários. Aprendi.
 
Há gravidade...
E por tanta "gravidez" da Vida, e pelo tempo que não se conta na realidade dos fatos, mas pelos próprios fatos que estão sempre o esticando ou comprimindo, por tudo isso, nesse momento onde todos celebram as datas chocando taças de cristal e champagne, eu quero brindar meu corpo no teu, sacudir o líquido vermelho que carregamos, derramar-me no choque do que sou com tudo que amo, emitir estridente o som desse encontro em um grave, gravíssimo, gravissíssimo... Abraço... todos os dias.

Não há NADA mais grave que um abraço!

_Me abraça?!

Phelipe Ribeiro Veiga
21 de Dezembro de 2012 - 12:52

"Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente." (Poema de Natal - Vinícius de Moraes)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Sobre o pecado do poeta.

 
 
No mundo da poesia não há infidelidades, desvirtudes, assassínios, falsidades, nenhum crime que se possa culpar o poeta, puní-lo ou condená-lo. Pois tudo quanto abre espaço às palavras e seus sentidos faz-se justificável, ou mais, um dever. O poeta é funcionário da ordem pública da beleza do mundo.
 
Há porém um pecado do qual o poeta não escapa (desmentindo o que eu disse mesmo agora, mas não há pecado nisso), para o qual não há remissão. É, mesmo em tempos tão digitais, não estar de posse de papel e caneta.
 
É feito um policial que procura ávido um fugitivo e quando o encurrala, encontra-se desarmado. O poeta é assim surpreendido pela beleza do mundo, e se vê incapaz de render a mesma, de levá-la finalmente, depois de ardua caçada, cativa das grades dos sentidos das palavras.
 
A chance perdida e a beleza mesmo repetida jamais se repetirá. O poeta deixou esvair um momento que não pode retornar. Ainda que escreva o mesmo tema, use as mesmas palavras, tudo mudou de instante e de lugar.
 
O poeta pecou.
 
Pois de tudo que há no mundo nem o pássaro precisa realmente voo alçar (veja pinguins e galinhas). Mas que criatura inútil e sem razão é poeta sem poetizar?! Pra que serve esse esdrúxulo ser a respirar e respirar e respirar?
 
Por isso pra me redimir é que decidi admitir tão somente o meu pecar. Castiga-me olhos que não param de me arrebatar! Castiga-me dolorosamente, langorosamente! Castiga-me!
 
Phelipe Ribeiro Veiga
06 de dezembro de 2012 - 18:51
 
 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Sobre o r-esistir.

Foto: Leandro Monteiro

Decidi por último em meus dias, todos eles, surpreender-me mais que decepcionar-me. Ponho-me hoje feito uma montanha à beira-mar. Resistente às ondas, recortando o horizonte, servindo de apoio a Vida. E quando o mar em fúria me erodir mais que o tempo lhe deu por incumbência, escalar-me-ei a mim mesmo e contemplarei do alto de quem sou a Vida em paisagem. Sei, haverá motivos para "r-esistir" .

Phelipe Ribeiro Veiga
12 de Novembro de 2012 - 17:34




Sobre o "nascer" do Sol.



Quem disse que o Sol, ao escalar os primeiros centímetros do céu tratava-se de um nascimento, eufemismo imenso usou. Ele apóia-se sobre a imensa mesa do horizonte, debruçando-se, e explode, e incendeia o céu. Escala o céu exprimindo virilidade e formas e sombras, cheio de ímpeto, vaidade, de vontade de aparecer. Rasga as nuvens feito um amante que rasga as cartas de uma ex-amada, com ímpeto que varia entre o orgulho e mágoa. O sol Incendeia a Vida. Queima as horas feito um cigarro que vai sendo tragado minuto a minuto, dia após dia. Eu vi isso, vi o dia nascer e correr de encontro ao mar feito um menino muito formoso e nu,  despudorado feito uma criança, faminto de Vida feito um idoso em seu último banho de mar. Eu vi isso. E eu jamais esquecerei.
Desperta(,) dia (,) meu!
Phelipe Ribeiro Veiga
12 de Novembro de 2012 - 16:58

"Woke up this morning
Singing an old, old Beatles song"
Caetano Veloso

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sobre "O perfume de uma flor no lixo".



Meus olhos são feito duas serpentes cegas que vivem a descobrir o mundo de bote a bote, a tateá-lo envenenando mortalmente de belezas solitárias, as quais jamais serei capaz de dividir com ninguém. Meus dedos são pincéis a perseguir as silhuetas e contornos das vítimas de meus olhos, pintando suas cores e formas, e quando às vezes, rostos. Meu coração fornece a água aonde faço diluir a tinta que destilo de meus pensamentos dando novos tons a tudo que vejo. Por fim a imagem que componho é o cenário dinâmico da solidão de Ser quem sou, sem jamais poder dizer de mim a ninguém, e ninguém de si a mim... 

Que Artista é cada homem, capaz de criar de si e para si tudo ao redor, sua sanidade e insanidade, sua paz e sua guerra, sem necessitar de matéria prima alguma, dando seus próprios nomes ao seu próprio mundo, na sua própria temperatura e seu próprio temperamento de cores e tons.

Assim sendo eis a minha Arte, tudo o que nomeio e que me cerca é a minha tela, o mundo é meu Atelie.

Portanto entre nele devagar, respeitosamente sem falas exaltadas, de preferência de olhos fechados, e agora abrindo-os vagarosamente, goze de cada timbre da luz, e encare a frio, o que você (não) vê é o seu. 

Phelipe Ribeiro Veiga
22 de Novembro de 2012 - 22:47

"Pra quê buscar o Paraíso se até o poeta fecha o livro? Sente o perfume de uma flor no lixo e fuxica..." Cazuza

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Sobre quando o medo bate à porta.



Quando penso estar abrigado sob o teto de minhas Verdades, Crenças, Esperanças e Sonhos, estes que são meu chão, parede, teto, porta e janela (e porque não, trancas), ouço o farfalhar do vento na mata lá fora. Cada folha que se move, cada nuvem que vaga no céu apressada como que atrasada para algum encontro de vida ou de morte me convence de um mundo tão maior que eu, tão perigoso. 
Encolho-me fetal (como de costume) e abraço travesseiros convencido da minha pequenez e fragilidade. O fato é que a Real idade das coisas soca meus tímpanos, porta dos fundos de minha alma e grita nomes que sei, correspondem a identidades minhas. medos, temores e tremores. 
Venta lá fora, há socos nas portas e janelas como nos olhos e ouvidos. Procuro um espelho e deparo-me comigo vestido de uma roupa pequena, apertada por demais, um dos meus desconfortos. É o passado. Percebo que sigo crescendo tão apegado a ele que nem o percebi ali e agora, de tão apertado já não consigo despi-lo. O que resta é rasgá-lo e enfrentar minha nudez presente, e as marcas e deformações e atrofias que meu descaso ao deixá-lo ir ficando e ficando acabou por causarem-me. Mas haverá alguma veste no meu tamanho em algum futuro? 
Diante de tanto tremor e medo, e da ordinária Vida minha, haverá algo lá fora senão inseguranças? 
O que me resta é fechar os olhos, fingir ao medo que bate à porta da alma que não tem ninguém em casa e dormir, e amanhã quando for dia abrir todas as janelas para deixar o sol entrar. Daí volto a fingir que estou abrigado, que tudo está bem, até que anoiteça de novo, até que...

Phelipe Ribeiro Veiga
23 de Outubro de 2012 - 00:15


"Eu poderia ficar sempre assim

Como uma casa sombria
Uma casa vazia
Sem luz nem calor
Mas quero as janelas abrir
Para que o sol possa vir iluminar nosso amor" (Vinícius de Moraes)

domingo, 21 de outubro de 2012

Sobre o pudor e o despudor das praias.

Foto: Phelipe Veiga

Visitando as praias de Maricá, que são feito essas moças recém-desvirginadas que, cheias de violência, fecham as pernas em ondas impedindo a balneabilidade do prazer em seu corpo longo, eu sou impelido a pensar na pequena rebelde, vedete de todos os ritmos e amores, aquela que fora amaldiçoada com um nome de imprestável que nem era seu e que se faz propositalmente o inverso.
Aquela que pôs a barriga de fora, que estreou quatro triângulos escandalosos falseando a cobertura da nudez que no fim só se fazia mesmo era mostrar, e quando falsear já estava por demais de costume, ela tirou  dois deles triângulos pondo os peitos de fora. Aquela que sempre contradisse a caretice de tudo que acontecia além de seu calçamento quadriculado em pedras portuguesas, que beijava livremente os do sexo oposto e os do mesmo sexo, e tragando um baseado não deixava ninguém a criticar. Ipanema é ainda a moça que brinca feito um quadril balançado nos extremos do que se esconde e do que se revela em formas, cores, cheiros e sons. É a praia da bossa, do rock, do funk e da gaivota a cantar. É a areia branca de protesto a tudo que  se nega ao prazer. É o encontro de bocas e sexos do que é homem e do que é natureza, dando a luz a um humano mais natural, que diante de tanto estupor sabe aplaudir o pôr-do-sol.
Diante das praias puritanas e ladeiradas, sem calçamentos e cheias de puritanismos se fazendo de difíceis, carrancudas feito as daqui de Maricá, eu me lembro de Ipanema, de sorriso indecente, pernas abertas querendo só gozar e gozar e gozar... 

Phelipe Ribeiro Veiga
21 de Outubro de 2012 - 18:31

"O Brasil só será feliz quando virar uma grande Ipanema!" - Tom Jobim

domingo, 23 de setembro de 2012

Sobre três anos depois.

Em memória de Patrick Kitzinger - 05/02/85 - 23/09/09

De tempos em tempos, em datas fixas eu venho fazer a exumação de nossas memórias afim de cumprir um ritual de muito carinho. À mim é como se eu alisasse uma cicatriz muito grave, afim de rememorar à que se refere, isso num primeiro momento somente. Porque depois uma coisa leva a outra, e são tantas que a cicatriz vira fundo num mundo de espectros e representações não passadas, mas presentes. Atitudes e modos e pensamentos. O mais ridículo da Vida é esse aprendizado tardio que se dá fora de tempo, como o casaco que fora tão necessário no inverno chegando em plena entrada de primavera. 

E por falar nela, nessa estação que todos os anos traz consigo um gosto de luto e nostalgia, eu me debruço propositalmente sobre o que fomos como um compromisso que espero um dia tenham também comigo quando eu já não mais for, buscando manter-te vivo. Trazer-te a memória. 

Não é dia de lembrar da tragédia ou da dor, mas de uma falta holística, completa. De todos os papéis que abandonastes deixando em cada um de nós um pedaço imperceptível do que fostes. É verdade e eu sei que vives nas atitudes mais miúdas que nós todos aprendemos com você. É verdade e eu sei que na maior parte delas nem te reconhecemos, de tão nossos que tais atitudes passaram a ser.

A Vida continua (o que justifica esse texto com tanta justificativa e pouca celebração), é o presente atravessando o passando e gerando novos vincos a essa folha volátil que é o futuro da gente. A missão é tensa, é complexo não arranhar o presente mexendo no passado, é complicado fazer-se entendido quando tudo é tão solitário e individual (principalmente a sensação e compreensão dos fatos), é tudo muito e verdadeiramente complicado. Mas no resumo o que me faço dizer sempre nessas datas de remexer a terra e desenterrar o que fomos é que eu não esqueci, que eu guardo tudo em mim e que eu sinto saudades.

Phelipe Ribeiro Veiga
23 de Setembro de 2012 - 13:00


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Sobre sobrevivência e extinção.



Pobre homem  criatura pós moderna.
Em seus pulsos lhe pesam abotoaduras, na sua garganta enforca-lhe um laço de angústia, os modos e meios e formas, a palavra escrava da negócio-ação. Cobrem-lhe panos e mais panos prendendo-lhe o calor da pele, o respirar de tudo que é. Seus pés são apertados por um couro rígido. Pesa-lhe o não suar, o não cheirar, o não irritar-se, o não alter-se o ânimo, não pode ser feio nem baixo nem alto nem velho. Não tem sequer a liberdade de ser ignorante a uma coisa sequer. Pesa-lhe a produção, a motivação, a eficácia e a eficiência para as quais não nasceu para. Pesa-lhe o poder, e a missão de outro homem. Pesa-lhe fazer a manutenção de tantas vaidades alheias que pensa ser dele próprio. Acorrentado ao contator de sua miséria e daquilo que era tempo e virou contratempo, aquele metal espesso e mais pesado que o mundo, que o faz interromper o sono, correr no almoço, limita-lhe o estar bem, o estar com seu bem, o relógio, com seus ponteiros afiados feitos espadas girando em direção à sua garganta, onde a cada hora o homem pós moderno precisa desviar-se para não ser decapitado por ele. Pesa-lhe o mundo, a identidade perdida, o homem-função, o homem-promoção, o homem-cargo. Pesa-lhe o trabalho e a privação. Pesa-lhe ser, quando o homem bicho nasceu mesmo é pra não ser.
Por fim, já velho morre o homem pós moderno deixando de herança posições, cargos, mesas, cadeiras, placas, abotoaduras e tudo que lhe pesava e por tanto tempo lhe fez curvar, até atingir o solo e ultrapassar-lhe, descendo abaixo dele.
Pobre criatura moderna pós homem. Mais desnaturalizada que tudo que há na natureza, mais afastada do que qualquer coisa de qualquer coisa que nasce e cresce e morre. Pobre moderno pós homem.
Mas se não for assim, o que há de ser de ti? 
Ao que parece para sobrevivermos em parte nos extinguímos no todo.
Não há!

Phelipe Ribeiro Veiga
21 de Setembro de 2012 - 17:18

"Como pode um operário em construção compreender por que um tijolo valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava com pá, cimento e esquadria. Quanto ao pão ele o comia." Vinícius de Moraes


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Sobre o mar de Saquarema (Sobre Sônia).


Foto: Phelipe Veiga



Uma homenagem a mulher mais forte que conheço, que me lembra hoje não pela atitude crua, mas pela coragem de ser tudo de novo, a força que tem, e de onde a minha força vem!



Mar, devias Sônia te chamar! Porque hoje sei que também tive a quem puxar!
Porque conheço a rigidez do quebra-mar que há em mim.
Sei bem de onde vem essa força violenta por tomar a Vida por assalto. Sei bem de onde vem o meu silêncio que insiste em falar tão alto. 
Orgulho-me da minha raiz de mar, e recordando bem, lembro-me claramente que nos mares de Saquarema, foi você que me ensinou a nadar. Levantavas-me nas ondas, me ensinavas que não se corre delas, que por maiores que fossem deveria correr ao encontro delas. Ensinaste-me bem pequeno a dançar o balanço das ondas, e a pegá-las não nas mãos, mas no peito aberto. Ensinaste-me a amar o sol, ensinaste-me a respirar o ar puro de maresia. Mar a...mar, tu me ensinou na Vida a nadar. 
Sinto orgulho da mãe que tive e tenho, que me ensinou a após cada caixote sacudir a areia do cabelo e voltar pra lá, e sorrir de novo, e brincar de novo. Na praia de Saquarema, amigos um do outro e da praia, você me ensinou tudo. Hoje, quando dava por findado todo o ensino, mostraste-me que és sem enquanto, relembraste-me tanto. Nós que nos julgávamos tão diferentes, somos plantas das mesmas sementes.

Quando tudo mais não for, seremos ambos um vento gostoso a beira de praia qualquer, soprando os cabelos de mães e filhos que saberão, se há bem no mundo, perceber a beleza da viração. 

Mar, deverias Sônia te chamar, pois hoje percebo de fato, eu tive mesmo a quem puxar!


Phelipe Ribeiro Veiga
06 de Setembro de 2012 - 22:36


domingo, 2 de setembro de 2012

Sobre um brinde poético a um desencontro.



Eu me arrastava para aquelas "armadilhas" sabendo que estava sendo guiado pelos meus instintos e desejos para lugar algum. Eram desencontros com data, local e hora marcada. Te encontrava sempre calado, dono de muitos silêncios. Eram poucas as palavras entre um baseado e um cigarro seu. Te achava tão lindo, suas formas, sua tatuagem, sorrisos e olhos e mãos e pés e pernas. Eu não te olhava, eu te devorava com os olhos, eu não te assistia, eu te contemplava. 
O mar de Copacabana visto do 20º andar, frases cheias de um conteúdo que eu não conhecia até então. 
E o nosso sexo? Era estranho, parecia que fazíamos um no outro, e não um com o outro, havia eu, havia você, e havia o abismo entre nós. 
É como se seus toques em minha pele fossem dados a um palmo de distância (e mesmo assim me levavam ao êxtase). Tu parecias tão temeroso, assustado, como se eu carregasse nas mãos a possibilidade de algum grande mal, quando mal sabia você, era eu quem estava ali, consciente disso, me entregando para ser imolado.
Rapaz voador que soube, já não voa mais. Tu fizestes de mim um parágrafo, foste pra mim, em três encontros, um capítulo inteiro. 
Aquela noite fora uma das mais místicas que já vivi. Você, medida do meu desejo adormecido sob lençóis rígidos e limpos, também rígido e limpo feito uma montanha de carne e músculos e pele e ossos sobre a cama que era pra ti pouco menos que uma moldura, o morro da Urca na janela, madrugada fria de céu limpo e uma lua cheia riscando o mar que fazia ondas quase tão insistentes e certamente tão insipientes quanto o meu desejo por ti. Lá fora ouvia risadas, buzinas, carros e as ondas, e dentro do meu peito um silêncio ensurdecedor. Eu ficava acordado vigiando teu sono, acariciando o desconhecido que meu desejo tinha elegido, e você dormia longe, muito longe, mesmo quando envolto no meu abraço. Fora a última vez que te vi, já sabia. Quanta riqueza de detalhes pra um detalhe no calendário da minha biografia ainda não terminada.

Mas não quero que entenda assim, então me adianto a dizer-te que você não me arde a memória, não me dói. Lembro de ti feito uma aparição, de quem hoje não tenho nenhum contato (a Vida fez isso sabe lá porque). Guardo nossas conversas, a curiosidade de saber se realizaram-se seus planos, se você superou aquele medo todo que estampava nos seus gestos. Guardo você sabe lá Deus porque, e é sem dor, é com um carinho estranho e mal endereçado. É com um desejo de que estejas bem e feliz. É com uma vontade de que estejas sendo, em algum lugar qualquer.

E tudo isso é porque hoje, passando em frente aquele hotel, senti o frio daquela noite, e o calor daqueles lençóis, e porque estava devendo poesia àquela noite. Senti saudades e resolvi brindá-la, como de costume, poeticamente. 

Phelipe Ribeiro Veiga 
02 de Setembro de 2012 - 18:43



Uma lua no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.

Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.

Mas não partira delas; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz - eu de amor pouco e vida pouca

Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua boca
Uma gota de leite no seu seio.
(Soneto de Despedida - Vinicius de Moraes)







segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Sobre Marla.



Marla jaz como um sol de meia noite em torno do qual é tentador e fácil gravitar. Sol que ao alcançar o pino do céu gostou tanto da vista que foi ficando, ficando... espontânea e despreocupadamente (à seu modo), à despeito de todos os astros e suas órbitas chatas. Pobres astros regimentados, invejem essa estrela do planalto central, ela brilha impugnavelmente, amoral! 

Mostrou-se aos poucos aquele tipo de pessoa que só se encarna a cada dez mil anos talvez. Pequena por fora, imensa por dentro. Sua alma é tamanha que o seu sorriso flamejante é só faísca da enorme estrela que arde em suas entranhas. 

Assim, de mãos dadas com nossas crias poéticas desnudas um para o outro, adentramos as vísceras da cidade, correndo sobre trilhos por suas veias sem ver chegar as devidas estações. A Poesia dobra o tempo.

A noite fora de tal modo poética que segue este dia adiante entre aspas nos calendários, como citação com dedicatória até com beijo de batom! 

Há!

Phelipe Ribeiro Veiga
14 de Agosto de 2012 - 01:10


"Sou muito grata por estar na esquina aonde eu estava passando e por ter me dado a mão...Caminhamos juntas: eu comigo mesma!" - Marla de Queiroz

sábado, 11 de agosto de 2012

Sobre um Amor verborrágico.



Minha Poesia é como uma mulher má que muito me ama e à seu modo, me quer bem. Quanto me custa esse casamento? Ou melhor, esse adultério vital que cometo em seus braços gramaticais, ortográficos, neológicos? Nosso amor não faz rimas, é despreocupado, corre feito um copo que vira e escorre à vontade da gravidade e do relevo que encontra. Nosso amor não tem regras, não constrói sonetos nem decassílabos, não obedece conjugações de concordância, nosso amor só faz discórdia. Nosso amor é selvagem feito uma oração insubordinada, mais do que substantiva, substancial. Nosso amor me destrói e me reconstrói melhor, com defeitos mais sofisticados. Nosso amor me faz um sujeito composto de predicados despreocupados, que renego, invento, minto. Faço tudo pra ficar mais bela a nossa oração que não é à Deus algum senão uma "celebra ação" ao nosso conúbio verborrágico. Nosso amor é meu vício mais destrutivo e minha saúde de todos os dias. Minha Poesia, contigo sou Poeta, tu me defines, me dá contorno, e sem ti me desmancho em meras palavras facilmente conceituais em ordens alfabéticas tão pobre de significado como um dicionário. Deste modo há duas mulheres por quem dou a Vida, a quem devo ( ` )a Vida. Aquela que me recebeu nos braços quando eu nasci, e que há de me receber nos braços além de aqui, quando eu morrer, e a essa, que há de me ressuscitar antes mesmo do terceiro dia ameaçar a vir. 

Há!

Phelipe Ribeiro Veiga
11 de Agosto de 2012 - 21:37

"Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas as mulheres que por ela abandonei." Vinícius de Morais

sábado, 21 de julho de 2012

Sobre a iminência...

Foto: Primo Tacca Neto

Ela vem se arrastando, eu a ouço nos silêncios das ruas vazias que corto. Veja, é como se eu não estivesse lá. Há algo de terceira pessoa em tudo que vivo, que faço, que penso. E eu sei que ela está perto. Não sei seu rosto, sua intenção, seu nome, apenas a pressinto. a verdade é que vou me sentindo mais e mais próximo de cometer um crime, de descobrir o que não devia sobre minha própria Vida. As vezes me parece que ela se aproxima de mim, as vezes eu dela, as vezes penso ser ela meu segredo proibido que hei de descobrir, às vezes que ela quer me impedir de descobrir, ou estar lá para me flagrar em descoberta do que deveria ficar coberto. Há um clímax próximo, há um algo a acontecer em breve, vai explodir!

E você só percebe o quão louco está quando não acha em toda sua lista mental de contatos possíveis uma só pessoa com quem você possa contar sobre essa angústia inominável, iminente, secreta, incompreendida, quando tudo que te resta é rastrear inconcebivelmente a companhia ingênua de quem sem saber pode talvez, te acalmar. O fato é que não há louco no mundo que entenda a loucura da sanidade que construí ao redor das minhas loucuras. Nem eu mesmo entendo, nem eu mesmo sei. Gastei minha vida toda até aqui desenhando um mapa de uma terra que eu inventei, de um tesouro que sou eu quem escondi de mim mesmo, e agora empreendo uma busca diária atrás de encontrá-lo. 

Há um quê de trágico no descobrir-se o que há de ser descoberto, e ela vem se aproximando. Ouço seus passos. Talvez seja a loucura, talvez seja a solidão maciça e intransponível, talvez seja a morte, pode ser tudo, mas o que sei que há é um breu que cobre todos os amanhãs, desperdiçando-se em excesso, iluminando-se no hoje, sendo fosforescente no ontem. Tudo que fui não combina com o que sou, e assim sendo o que chamo de passado nunca fui, o que chamo de presente corrompe-se toda noite numa denegação voraz, e o que serei é escuridão completa, palpável de tal modo que posso pôr na boca e provar seu gosto de amargo e mentolado. 

O que sou hoje? Amanhã lembrar-me-ei o quão patético fui. Um babaca que só queria ver o nascer de um sol novo, mas não suportou a própria companhia e foi dormir. 

Não há!

Phelipe Ribeiro Veiga
22 de Julho de 2012 - 02:02

"O que eu sou hoje? É terem vendido a casa." - Fernando Pessoa.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sobre uma quase prece por não ter pressa.



Enquanto a Vida me dá preguiça, eu vou percebendo mais e mais gentes correndo nas escadas rolantes, agitando objetos e batucando em filas de esperas, sacudindo pernas sob mesas. A pressa tem acometido o mundo, tem mordiscado os relógios das pessoas, deixando-os com menos horas pra viver, gastando seus momentos feito a loucura incendiando fortunas, e eu vou sentindo uma necessidade de anoitecer mais cedo, de me aquiescer só no momento agradável. Vou me atendo a um não ater-me a nada. Enquanto tudo corre, os jovens acometem-se de velhice, doença e morte prematuramente, eu vou exigindo de mim menos aceleração. Soltei as mãos de quem me puxava a correr, quero caminhar de mãos livres pra apontar, acariciar e colher flores pelo caminho que eu passar, mesmo que isso me fira em um espinho ou dois. Quero achar meu ritmo, meu tom, minha velocidade média sem deltas de tempos e distâncias, quero fazer minha própria formula pra achar o meu x de questão. Quero ser de novo algo novo nesse momento que, agora, já é passado. Quero me permitir não produzir, não correr, quero atrasar, e de propósito quero não chegar lá, quero desviar do pódio, quero por agora um terceiro lugar, menor, com menos desassossegos. Quero mudar a trilha, sair dos trilhos, fazer fumaça em outras fogueiras, quero soprar pra dentro de mim mesmo e bagunçar os cabelos da minha imaginação. Quero ser a contra-versão dessa correria produtiva que só faz estardalhar e mal pro coração. Quero aplacar essa pressa que tenho de não ter pressa nunca mais.

Phelipe Ribeiro Veiga
12 de Julho de 2012 - 23:58

"Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: As vezes apenas um segundo."  Lewis Carol - Alice no País das Maravilhas


domingo, 8 de julho de 2012

Sobre o porque da recordação.


Não sei que juízo me acometerá depois de tudo, quando já não for. Todavia vivo tentando a impugnação própria, e ser inocentado ao menos pelos que amo. Se há pecado de qualquer lado dos trópicos de meu coração, seria não viver, pois quando se toma consciência do todo indivisível que somos, e de que cada segundo é O Presente, não há perda de tempo. O que perdemos é a atenção ao tempo, mas ele segue mesmo assim, sem se preocupar. A Vida segue pra morte mesmo de olhos fechados, ela sabe o caminho, "decorado".
E sabendo disso, quando fico só eu me aproveito, aconchego-me a mim, faço-me companhia, converso comigo, ouço queixas e reflexões. Expando-me pra dentro.
Hoje revirava uma caixa de memórias e me confessei a mim mesmo. Preciso dessas evidências em defesa própria. Provo-me a mim. Tenho vivido sem enquanto!!
Satisfiz-me em meu jeito de ser, abracei-me, e assim vou sendo... Juntando os cacos dos dias sabendo que isso não é tudo, mas é parte de um todo que sou, e que graças a Vida não sou só meu.

Phelipe Ribeiro Veiga
08 de julho de 2012-17:35

"só quem se mostra se encontra, ainda que se perca no caminho" -Cazuza


domingo, 1 de julho de 2012

Sobre o desacato da imaginação.




A solidão vai se tecendo na minha garganta como um visgo, formada por cada palavra que a Vida não me dá ocasião de enunciar. A solidão não se dissolve por nada. Ela é filha de cada momento de desencontro entre o que "é" e o que eu imaginei. O fato é que meu coração é uma arma de fogo carregada e apontada para minha própria cabeça. Mesmo meus passos mais otimistas desacatam minha imaginação. O problema é que a Vida é impossível. Um possível quarto dela se foi, e quem sou? O que fiz? Meus dias são anseios por sextas-feiras, lamentos por segundas e reclamações e muitas outras coisas, mas acima de tudo, mais que qualquer coisa, imaginação. A Vida reclama de mim, e eu reclamo da Vida. Amo a Vida, mas sinto-me por vezes apaixonado por uma prostituta que vive a me trair com quem lhe pagar mais. 
Sei o que você pode estar pensando. "Onde está o otimismo do poeta?"
Pois bem, estou naqueles dias onde tudo é claudicante, tudo vacila, onde se percebe que está mesmo tudo por um fio. Onde fica claro que pode ser que nada seja, nunca, jamais. Onde se percebe que apesar de tudo, depois de tanto fazer, nada se tem senão um orgulho oco de, por mais que não tenha se obtido um sucesso, empreendeu-se um belo esforço. Besteiras de quem não somente deixou de vencer, mas de quem fracassou.
Hoje vou dormir com um cigarro aceso preso aos meus dedos, e deixarei ele queimar, torturarei minhas mãos langorosamente, simularei a dor dos dias. Talvez assim eu não sinta tanto o meu peito criminoso. Talvez assim eu sinta algo que me impeça de sentir.
Hoje durmo expandido, silencioso, escuro, vazio, oco. 
Hoje eu não vou adormecer, eu vou me esconder de mim. 
Hoje eu vou realizar o que vivo a denegar. Eu nunca estive comigo, jamais me encontrei.
A solidão que sinto é finalmente revelada. Abandonei-me. Estou sozinho de mim.
Talvez realizando isso de fato algo possa mudar, talvez algo mude, mesmo que seja tão somente um novo gosto para as coisas de sempre. Talvez.

Phelipe Ribeiro Veiga
01 de Julho de 2012 - 21:59

"Sempre só eu vivo procurando alguém que sofra como eu também, mas não consigo achar ninguém" - Nelson do Cavaquinho

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sobre a Gratidão.



Nada a Vida nos tira, em tudo Ela nos poupa.
Nada a Vida nos dá, tudo Ela nos doa.
Cheguei neste mundo nu, despido de pensamentos, linguagem e compreensão. 
Sairei dele com muitas histórias pra contar, mesmo que seja ao silêncio que há de se descortinar, ou a outra coisa ainda.
Sairei da Vida maior do que entrei, e me doarei à Vida com muito prazer, e cheio de saudades.
Hoje a vida me bateu um tanto. E assim como me expando em gratidão, hoje eu me encolho, fetal, em gratidão. Pois nem todo tapa é pra dor, nem todo beijo é de amor.
Hoje me recolho com lábios silenciosos, e uma mente onde ecoa tão somente muitos "Obrigado".
A Vida é um caminho onde o sucesso te exige tão somente duas coisas, excelência e coragem. Entrei nela sem ser nada, hoje estou nela podendo ser qualquer coisa que eu quiser. 
Se investi errado, agradeço a possibilidade de fazê-lo, se corri em vão, agradeço a força para fazê-lo. 
Não é uma gratidão cega não. Hoje dormirei dolorido e choroso, abrasado pela mais pura solidão, mas crendo completamente, a Vida sempre sabe mais.


Obrigado!


Phelipe Ribeiro Veiga
22 de Junho de 2012 - 23:27



"Todo mundo ama um dia, todo mundo chora.

Um dia a gente chega e no outro vai embora. 

Cada um de nós compõe a sua história, c
ada ser em si c
arrega o dom de ser capaz e
 ser feliz." Almir Sater - Tocando em Frente.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Sobre hospitais.




Neste templo de vida e de morte, lugar de chegada, de partida e de agonia e alegria  as paredes ecoam solidão. Seus sacerdotes não estão onde estão, estão trabalhando. Meu sofrer é matéria prima de olhos técnicos que não se compadecem, não me tocam, não sabem quem eu sou, querem salvar-me por um dever descompromissado comigo. Aqui não sou ninguém, aqui não sabem quem eu sou. Nem aqui nem em lugar algum. Solidão ecoa, desamparo não perdoa, e eu agonizo a espera quem não sabe cuidar, só aprendeu a curar... E que Deus me proteja e a Vida me abrace forte porque a Terra em que estou é de puro abandono. 


Phelipe Ribeiro Veiga
13 de Junho de 2012 - 14:58


Texto escrito numa espera de horas por atendimento em uma emergência de hospital sob insensibilidade médica.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Sobre os caminhos do amor.





O amor é um sonho, e cada fracasso é como o esforço de um parto de um filho já morto.
É como dar Vida à Morte.
É como não ter sido nada o que era tudo.
É como, depois de longa caminhada, descobrir que se caminhava longe para um lugar errado, é preciso voltar tudo, e redirecionar os pés que já estavam tão afoitos por o que se tomava como destino, é preciso admitir-se a perdição...
Mas quer saber? No fim, o que me conforta é, não importa o quão longe sigo num caminho errado, meus olhos não perdem nenhum detalhe, e por isso, vale sempre a paisagem!


Phelipe Ribeiro Veiga
08 de Junho de 2012 - 01:34

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Sobre o engano do amor.





"Quem nunca foi enganado, jamais amou..."
Afirmo isso sem temor algum de equívoco. Pois o que é amar senão extrair da Vida o que ela não tem pra dar? Achar no objeto de nosso amor tudo o que ele jamais será? Encontrar num olhar mais do que córneas e carne e fibras (O que de fato são)? 
O tolo ama, o sábio se entorpece, e se fazendo tolo, pode vir a amar. 
Quanto mais sábio é um homem, mais ardiloso deve ser seu coração, mais esperta deve ser sua imaginação, mais lógica deve ser sua mentira, caso contrário não há amor viável.
Eu temo por meu coração, pois quanto mais conheço da Vida, mais inconcebível ela me parece, como costumava pensá-la quando ainda a pensava. Hoje eu a vivo, e nada é como deveria. 
O amor não existe senão na ignorância de uma enganação, espontânea ou não. 
A tola ideia de necessidade, a ilusão de completude e entendimento, a sensação de casa no abraço, a sensação de apreço no afago, e então, como passos dos dedos sobre areia fina, isso tudo se desfaz, e o que fica na lembrança não é o que tivemos, nem o que pensamos ter tido, nem o que sonhavamos ter, trata-se de uma nova mentira. 
O amor renova-se de mentira em mentira...
Quem não se permite perder-se não ama jamais, quem não permite-se enganar-se, não ama jamais. 
E assim sendo, abençoo a minha ignorância, e seu preço de sangue... o qual pago enganosamente... satisfeito.


Phelipe Ribeiro Veiga
06 de Junho de 2012 - 22:03


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Sobre as exigências da Poesia.






E quando a poesia bate na porta, insistentemente? 
Eu levanto da cama preguiçoso para atendê-la.
Abro a porta.
Lá está ela, tragando um cigarro de sonetos Vinícius, fazendo fumaças engraçadas como uma rima de Quintana. Ela veste um Tom, Nelsom Rodrigues, parece uma outra, Pessoa, fazendo charme. Ela está puta com a zona que trago no peito. Ela se desconforta, e se recusa a entrar... e não me deixa voltar a dormir, nem sequer fechar a porta. Ela não é de se ignorar.
É hora de arrumar a casa... 
Pois capacho não é lugar de rimar... 
É preciso ter conforto na alma pra poesia entrar...




"Boa noite e boa sorte..."


Phelipe Ribeiro Veiga
04 de Junho de 2012 - 22:21





"A gente todos os dias arruma os cabelos: por que não o coração?"
Provérbio chinês

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sobre um não haver.

Desalinhos! Feito uma gravata torta endireitou-me, a alma...
Feito um ofício muito custoso pego-me exaurido de exposições, explanações de mim. Fazer-me concebível dá-me muito trabalho e suas recompensas são a cada dia menos, menos surpreendentes, na verdade, decepcionantrs. Inicio essa parte do meu caminho sob esse sol me encolhendo em mim mesmo.
Pois meu corpo já se desgastou demais tentando expor essa alma minha infinita pro lado de dentro... E foram tantas as tentativas, e tantos os fracassos... Tantos...
Não há!
Meu corpo hoje é um bicho a satisfazer-se ao custo de minha pobre alma, amarrada, penhorada, nada. Meu coração nessas horas é uma palavra presa na garganta, um elogio não prestado, um segredo guardado, pra muitos (e às vezes pra mim) um desvalor.
Meu corpo segue amordaçando a minha alma, calando meu peito numa saciedade cara, e cada vez mais e mais vazia. Não há!
O meu cansaço transbordou,a resignação do meu peito me exauriu, a disposição do meu corpo jovem levou o que sobrou e a alma já é peso o suficiente... Sigo assim, por um tempo, ignorando às bússolas, vou pro sul... Sim, eu vou. Porque não há!

Phelipe Ribeiro Veiga
23 de maio de 2012—20:34


sábado, 19 de maio de 2012

Sobre meus 25 anos (Um texto de aniversário).



Vou-me para uma segunda metade de um quarto de um todo indivisível e invisível. E nesse compasso dissonante quanto mais aprendo, menos sei e contrariamente mais certezas tenho sobre a Vida. Sim, Vida com V maiúsculo, Divina, Boa, Sábia e Graciosa Vida. A Vida, a divindade invisível, pouco adorada, apesar de muito adornada. Aprendi isso até agora, e mais uma meia dúzia de coisas.
Vou-me feito um sol que começa a alcançar o meio dia. A perspectiva do mundo ainda é de sombras, e de certezas fugazes, mas apesar disso muito saborosas. E as pessoas? Fato é que trocamos os aviões de plástico, que erguíamos fazendo sons com a boca, imaginando vôos, e hoje fazemos o mesmo com nossos trabalhos, amores, futuros. É tudo luz e som, e um pouco de sabor e textura. As alturas ainda não me assustam, mas as multidões já me afastam um tanto, as indecisões já me geravam distanciamentos, hoje muito mais. Pois apesar de jovem sei bem do quão curta a Vida é.
Há ainda muita esperança, pois apesar de curta, a Vida é profunda, e nela cabe muita coisa. Passados podem ser resignificados, futuros podem ser replanejados, e os presentes hão de ser muito saboreados, temperados de lucidez e insanidades, como de costume.
Há muito amor, muita paixão, muita lágrima e solidão. Paciência e tolerância. Os sonhos são reeditados, e vou pouco a pouco sabendo mais e mais o que eu definitivamente não quero pra mim (o que é um avanço na direção do que quero). As horas a frente variam entre atrasos e adiantamentos de tudo. Há rimas e desacertos, e sei que ainda vou revisitar muitas vezes o que tenho entendido ser uma das coisas mais tristes da nossa existência, que é o descompasso de nossas individuais percepções de tudo (se ao menos existisse um micróbio que pensasse uma vírgula como eu, haveria menos solidão). Há muito o que revisitar. Farei muito turismo sobre ruas velhas, remodeladas, revistas. E também hei de ser estrangeiro em muito futuro impensado. Hoje é um dia de gratidão. E é isso que lanço para tudo que me rodeia nesse momento. Pois apesar de não ser exatamente quem eu gostaria de ser, sou muito mais do que jamais imaginei que pudesse me tornar. A Vida ainda me surpreende, e enquanto isso acontecer, sempre valerá "a pena".


Phelipe Ribeiro Veiga
19 de Maio de 2012 - 20:15


"Estou comprometido com a vida até o último dos meus dias, e me esforço para mudar as coisas, e, para isso, não tenho outro remédio que não seja fazer o que faço e dizer o que sou." Saramago





segunda-feira, 14 de maio de 2012

Sobre flores artificiais.




Tudo em mim é visceral! 
O fato puro e simples é que minhas ondas não são artificiais, elas tem temperamento e temperatura.  Meu sangue não corre, aposta corrida, meu coração não bate, faz batucada, meus poros não suam, eles choram de comoção, eu não tenho febre, faço verão. A verdade é que até minhas mentiras são todas, cada uma à sua maneira... de verdade. Nada em mim é estático ou imutável. Cultivo em mim sempre a viabilidade de muitas instabilidades, que é pra me garantir vitalidade. Meus jardins são todos de verdade. Tudo neles nasce, cresce, floresce e perece... pra nascer de novo num novo arranjo com novas cores e odores. Para isso carrego em mim uma porção de Morte pra tudo que sinto e vivo. E é de tanta vida que um dia hei de afogar meu jardim. As pequenas pitadas de Morte que carrego hão de ser feito o sal que se acumula em alta pressão, e te encaminham pro "em vão" de todas as coisas que são. 
Todavia terei me valido de jamais ter tido em mim uma só flor que não fosse de verdade, não tendo concebido nenhuma dessas flores artificiais desses dias ruins que temos vivido, as quais não morrem nem desabrocham, são imutáreis, todavia não tem odor, só fazem ocupar espaço, empoeirar-se e desbotar-se. Terei tido um lindo jardim...


Phelipe Ribeiro Veiga
14 de Maio de 2012 - 20:58

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sobre uma mulher devassa.



Quando te revi, não me surpreendi. Eras a mesma mulher recatada, moralista. Mas por detrás de teus olhos eu via tuas indecências. É que teu corpo é recato, mas tuas opiniões e escolhas vivem em orgias perversas com as possibilidades. Não te defines por nada, não te comprometes com nada. Tu eras a mesma. Devassa!

Senti certo estupor, porém, certa saudade também. E nós bebíamos. 

Por que saudade? Ora, porque eu te tive. A meu modo, solitário (pois jamais te ausentas de tua própria companhia, deixando teus amantes sempre sós), vazio em muitos aspectos. Compreendia verdadeiramente que o que amavas em mim era o seu reflexo nos meus olhos, o qual assumia um tom esverdeado e mais puro do que a correspondente real da imagem que vias. 

Eu tentei! Juro que tentei em desatino relevar, esquecer, esconder de mim mesmo a tua traição, aquela mesma que ocorreu a vista de todos, sob a sombra da minha ignorante confiança em ti, todavia não é possível. Veja, o caminho para o perdão é um labirinto, e eu me perdi. Teu nome é sinonímia de traição. Tu não fostes infiel, decapitastes a fidelidade com a lâmina da deslealdade. O corte dessa é fatal.

Agora fica esse silêncio, tu, cheia de devassidão na mente, com os olhos brilhando apaixonada por si mesma refletida esverdeada nos meus olhos, num corpo hermético e cheio de pudor. E eu ali, assistindo o meu desperdiçar de tempo, perguntando-me porque ainda não fui embora. 

Se tu fostes metade da mulher que enganas-me sendo, farias de tua barriga labirinto pros meus beijos, e do teus seios o predileto passeio das minhas mãos. Faria da tua boca meu sabor de todos os dias, do seu abraço meu esconderijo secreto, e de teu corpo a residência de todo o prazer da Vida. Mas como se tu não me vês, nem me sentes, nem sequer sabes meu nome? Tu és mesmo uma devassa em uma eterna egolatria abusando do meu olhar.

Convencido disso tudo em pensamento, em silêncio levantei-me da mesa e saí. A conta? Pela primeira vez você que pague! A explicação? Você que procure! Porque eu já me perdi por demais...

Phelipe Ribeiro Veiga
09 de Maio de 2012 - 21:20

"Acontece que o meu coração ficou frio..." - Cartola

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...