segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sobre o indizíveis insignificantes.



Quem responderá a carta de amor rasgada? A flor colhida carinhosamente, agora jogada no lixo, quem agradecerá? A poesia nunca lida na contra capa de um livro presenteado? O e-mail nunca aberto, quem responderá? O sentido das palavras ignoradas jamais apreendido por causa de uma distração banal?



Onde moram nossas insensibilidades jardinadas à sombra de nossas mágoas e temores mais queridos? Quem possuirá o mapa de nossas cultivadas hanseníases sentimentais?



O significado das coisas se interpõe entre todos como a coisa mais solitária do mundo. E passou o segundo e tudo se perde, mesmo o que jamais foi. Porque nem mesmo a memória conseguirá nos contar os sentidos. Ela talvez possessiva esconda pra si, ou talvez não saiba como explicar. Porque na Realidade, não há palavra que signifique nada.



E assim a eternidade consiste num inconsistente esquecimento de todos nós, numa dispersão de nossa genética bruta em componentes subatômicos invisíveis, onde nossos amores tão “insignificados” se tornam só ecos inaudíveis recitados na voz de ninguém, ao pé do ouvido de coisa nenhuma. Um dia nunca teremos sido e nossos amores nunca mais terão amado ninguém.  E por fim não haverá fim algum nisso, pois nunca terá havido começos. Hei-nos todos, inexistidos e sem sentidos... desde nunca e para sempre, assim.





E pensar que aprendemos tanta palavra e tudo é tão indizível... que coisa, não?



Phelipe Ribeiro Veiga
24 de Fevereiro de 2014 - 13:46

“Amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer” - J. Lacan

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Sobre um olhar.





Aqueles olhos verdes, ainda não maduros encararam-me friamente, olhos vazios que diziam-me de uma universalidade de coisas vazias e de desproporcionalidades vazias e desfazimentos inteiramente vazios. Diziam-me de marcas deixadas na casca de uma árvore, iniciais, corações, promessas de amor eterno pelos quais agora a árvore era inquerida de fazer-se cumprir, arranhões que nada tinham a ver com ela, eram partes da árvore à revelia de sua própria vontade. Aqueles olhos diziam-me de vontades contrárias aos gostos, e de desgostos contrários às vontades. Aqueles olhos me disseram tantas coisas por tantas horas, dias, meses e anos, e só havia se passado de fato uns dez segundos. E naquele percurso de segundos intensamente eternos, amadureceram os olhos, e de tão maduros, caíram das faces deixando órbitas mais escuras que as da Terra... e agora os olhos ao chão, desta vez ultrapassadas as maturidades devidas, apodrecendo, já não diziam mais nada, já não me encarava, tudo estava dito, bastava falar.

Phelipe Ribeiro Veiga
19 de Fevereiro de 2014 - 11:19

"Não se mexa! Não diga nada! Não me toque! Não me interrompa! Deixe-me falar!" - Emmy Von N - Paciente de Sigmund Freud

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Em algum lugar...

 
 
O sol queima a terra, e a Terra. E neste momento em algum lugar alguém acaricia um rosto, um rosto ainda qualquer, futuramente único, o primeiro que os olhos do meu filho ainda não nascido conhecerão. Há uma lágrima em algum lugar irrigando um piso frio, uma mulher correndo na rua e esbarrando em um homem, gerando um atraso, causando um encontro, construindo um amor, gerando os pais dos filhos que um dia me verão falar em uma ocasião qualquer, em um lugar qualquer. Em algum lugar uma taça de vinho se precipita de uma mesa e o vinho escorre em ondas de ressaca microscópica sobre um tapete branco. Em algum lugar nasce um menino que vai escrever um livro que vai mudar a minha Vida. Em algum lugar batimentos cardíacos se aceleram, um peito pulsa feito um núcleo atômico. Bocas em erupção declaram amores por palavras efervescentes. Abraços se rompem feito cordas que se arrebentam. O mundo lança-se desesperado e aos berros ao chão em plena histeria, e quando sossegado, se contorce em aguda obsessão. A Vida não conhece o silêncio. Não sabe nem mesmo o nome da calma. A paisagem mais pacífica esconde reações quânticas capazes de construir universos. Tudo explode, tudo. O sol queima a Terra. E em algum lugar massageiam as mãos que lançarão sobre minha tumba a primeira pá de terra, queimada...
 
Phelipe Ribeiro Veiga
05 de Fevereiro de 2014 - 14:05
 
"Nossas vidas não são nossas. Desde o útero até o túmulo estamos ligados a outra pessoa. No passado e no presente. E com cada crime e cada boa ação fazemos renascer o futuro." (David Mitchell - Cloud Atlas)

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...