quarta-feira, 9 de julho de 2014

Sobre a gravidade da doçura.




Uma questão muito séria é a doçura. Porque não há nada mais comovente e apaixonante do que a doçura. Porque o amor tem dessas coisas. É difícil. Não há justeza no amor, nem equivalências, medidas, não há reciprocidades e nem temperos. A coisa vai se dando enquanto vai se fazendo. Aquele que ama e dá espaço ao amor pra ser (pessoalmente não entendo que haja outro modo de amar), sente em seu amor o mundo inteiro. Sente-se sempre doando-se tanto, que pouco provável é que alguém mais doe-se tanto, dê-se tanto, muito menos o objeto desse amor. Mas essa tal doçura, se não me engano, é de tão grande importância, que é ela a força que estica os lábios desenhando o mais bonito sorriso, é como um espreguiçar-se de uma pétala, que se dá tão tímida, e quando se vê, é flor aberta. A doçura gera acidentes tão bonitos e tão necessários ao amor. A doçura pavimenta os caminhos, tira os tropeços e cura feridas, evita que o amor se canse. A doçura amolece os dias ruins, dissolve as mágoas, dilui as incertezas e alivia as insatisfações. A doçura faz perdoar, e pede perdão. E falando em perdoar, que coisa grave é quando no amor não se pede mais perdão. Acha-se que tudo é uma conta já paga, um saldo já quitado, um lugar comum de ser quem se é, acidentalmente ou não. O detalhe (e o perigo vai sempre nos detalhes) é que a doçura vive à luz de atitudes de amor, e a desobrigação de ser doce nubla muitos céus, atrapalha demais, faz muita sombra. Coisa grave é a doçura...


Phelipe Ribeiro Veiga
09 de Julho de 2014 - 14:39


"E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma." Clarice Lispector 

terça-feira, 8 de julho de 2014

Sobre passarinhos.




Há por aí esses passarinhos que, passando por nossas margens de rio, por nossas copas de árvores e nossos vales, trazem seus cantos, suas sementes de longe e se vão. São adereços apaixonantes de paisagens simples. São como percussão, um som sutil que faz toda a diferença na música, mas que só percebemos sua presença quando se foi. Vão embora bem rápido. Não sabemos onde são seus ninhos (ou mesmo se os tem), não sabemos de que direção vieram e muito poucas vezes conseguimos rastrear pra onde foram. Há por aí esses passarinhos que são para nossas paisagens como adornos de segundos, como um laço no ponteiro dos minutos na hora exata do momento presente a se desfazer no minuto seguinte. Não há gaiolas que os contenham (nem mesmo as da memória). Se alimentam não sabemos bem do quê, são um mistério alado. São na verdade como um piscar de olho charmoso da Vida a nos xavecar, trazendo pra gente tesouros que só o que é perecível pode dar.

Phelipe Ribeiro Veiga
08 de Julho de 2014 - 11:35

"Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: As vezes apenas um segundo." Lewis Carroll

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...