terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Quero-quero da minha infância.

Me lembro quando eu tinha lá pelos meus cinco ou seis anos havia um tipo de fazenda próximo da minha casa onde minha irmã costumava brincar. Eu insistia em ir junto sob ameaças de minha mãe que dizia "se você não levá-lo você não vai!". Num desses dias minha irmã encontrou um pequeno animal berrante, era um pássaro que havia caído do ninho. Minha irmã levou aquele bichinho pra casa com todo carinho e muita preocupação. Deixamos ele numa gaiola de madeira, e todos os dias antes de ir para o colégio eu assistia aquele animal de olhos arregalados, bico aberto e penugem rala se esticar gritando e gritando, minha irmã misturava um tipo ração marrom com água, e usando um palito de picolé o alimentava. Ele engolia, e quase engasgando gritava de novo. Nada o calava. Creio que gritava por fome e também por gratidão, talvez. Fato é que gritava. Não importa o quanto de cuidado e desejo que de que ficasse bem fosse posto aos seus pés de pássaro, ele gritava. Os dias se passaram e o pássaro tornou-se grande o suficiente para ser solto. Não me lembro como foi aquele dia para minha irmã, mas lembro que para mim não foi um dia muito feliz, quando voltamos àquela fazenda para soltar o Quero-quero de que tínhamos cuidado e o qual havíamos salvado. Lembro de termos ficado seguindo ele com os olhos no céu,  enquanto ele gritava seu "quero, quero, quero" sem fim, que agora ecoava no vazio e parecia bem mais alto. Hoje mais de vinte anos depois me pego deitado na cama, sozinho ou acompanhado, remoendo meus desejos e pensando naquele Quero-quero da infância. De sua vassalagem ambígua ao que é humano, esperando o incomodo do carinho de minha irmã vir alimentá-lo e ao que é natural, que exigia ser saciado com a urgência do seu desejo. De sua inveja, quando preso, dos pássaros livres, e quando livre, do pássaros de estimação. Me pego pensando nele quando salivo na fila do almoço, ou diante dos anúncios de publicidade. O Quero-quero da infância de vinte anos atrás me ajuda a entender o meu desejo, o meu pesar e o quanto eu grito.

Phelipe Ribeiro Veiga
25 de Novembro de 2014 - 09h53

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