terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Sobre uma criança dormindo no meu colo.



Hoje uma criança, deitada ao chão, dormia com a cabeça no meu colo.
E é incrível pensar o quanto um momento de doçura ou sutileza é uma carícia que a vida nos faz, trazendo consigo um cheiro de lugares que nunca estivemos antes... eu fiquei ali assistindo, fazendo carinhos e entendendo o tamanho do significado daqueles pequenos movimentos de sobrancelhas, piscadas fortes, movimentos de olhos, era tanta coisa. Por um minuto pude sentir que entendia toda a nossa fraqueza, a nossa tristeza e a nossa angustia enquanto espécie, pude sentir ali, entre as minhas mãos e com a cabeça sobre a minha perna o peso de uma civilização inteira, e fui invadido pela homérica audácia de sentir-me capaz de saciar, ajudar, abraçar, abrasar, proteger, realizar, curar, tudo. E isso logo passou.
Vi-me ausente de um todo que, realizei, sou eu também. Somos todos assim, dessa fragilidade que ao mesmo tempo assusta, ao mesmo tempo encanta. Dessa inocência e perdição de caminhos que nos confunde e nos embriaga pela vã possibilidade de acordarmos menos nós mesmos, mais coisa qualquer com sentido, direção. Somos essa quimera, esse misto de frustração e orgulho, de fantasia e realidade, somos um produto final de uma equação impossível, que por falta de respostas inventamos uma. Somos todos assim, todos crianças. E se ao menos houvesse colo pra todos nós... afinal de quê mais precisa uma criança? 
Nessa tarde uma criança semelhante a mim dormia em meu colo com tranquilidade, com a confiança de que não seria acordada desse afastamento de tudo que é dormir, e eu não ousei fazê-lo, fiquei ali invejando, refletindo e esperando que agora, quando me deito pra dormir, eu pudesse oferecer a mim mesmo um colo semelhante... assim espero com otimismo, já que há um cheiro doce no ar, a consciência de que um dia em que se sente que dias melhores virão já é um dia melhor, até porque isso é ser humano, é ser criança não é?  É esperar pra re-nascer. Boa noite.


Phelipe Ribeiro Veiga
03 de Janeiro de 2012 - 23:13
"Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além." Paulo Leminski 


PS: Dedicado a criança que dormia no meu colo, para quem a leitura foi acalanto por quase 24 horas.

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