sábado, 21 de janeiro de 2012

Mutatis Mutandis.



Sou eu. Meio. Vírgula. Modo. Processo. 
Quando será que a vida vai me dar um canto, mesmo que escuro, mesmo escuso mas meu? Quando será que haverá um colo que seja verdadeiramente meu? Que seja feito pra mim, no meu número e medida? Mesmo que eu tenha de ir a algum alfaiate pra fazer ajustes, eu vou feliz. Quero ser destino, não caminho. E não tem sido assim...
Tenho servido. Sou instrumentalizado. Quantas coisas se alcançam ao conhecer-me? Por quantos processos e transformações sou responsabilizado? Perdoe-me a soberba e o desparate em dizer tais coisas, mas as sinto assim, aparato de cortar arestas, de agregar recortes novos, e Deus! Deixa um cado de me usar que meu corte já está é cego! Cego já nem enxergo onde estou, mas reconheço, é sempre o mesmo lugar. O mesmo cheiro de amor dos outros, as camas são sempre reviradas de transas passadas cheias de areia e de lençois embolados, os corações arranhados de arrasos prévios e as palavras trazem aquele cheiro de nafitalina com endereços e dedicatórias rasuradas, onde embaixo jaz meu nome de improviso. Tudo que possuo já está possuído. Nada que tenho é meu senão o que sou, o modus mutatis da vida dos outros.
Nesse meu quarto escuro há até uma luz negra que, como disse Cazuza, ilumina um teatro sem cor. Mas eu não me importo, não quero ver, não posso ver, e mais, não preciso ver esse espetáculo. O mundo que tenho habitado jaz impraticável, desfuncional. Preciso mudar de mundo, mas não há outro, o palco é um só. Tateio a escuridão das minhas opções e possibilidades, das minhas escolhas prováveis tentando achar uma saída. Sair de cena é impensável, ficarei até a peça acabar, sei. Mas daí reflito, penso, me desnorteio atrás de alguma outra marcação então. Eu que sempre estive calmo e prestante diante da vida, que de suas mãos nunca tomei nada, todavia estive sempre a esperar pacientemente do que ela de bom grado me dava estou prestes a tentar um assalto por um lugar mais prestável e mesmo prestante, por um papel principal, quem sabe, nem que seja em minha própria existencia. Se o palco não pode ser mudado, exigirei ao menos um novo papel. Farei assim de todas as mudanças que causei a causa pra mudar meu papel nesse espetáculo, vou virar mesas, copos e jogos. Eu o farei, e que me perdoe a Direção.

Phelipe Ribeiro Veiga
22 de Janeiro de 2012 - 00:15

"Se é triste/cômico ficar sentado na platéia quando o espetáculo acabou e fecha-se o teatro, mais triste/grotesco é permanecer no palco, ator único, sem papel, quando o público já virou as costas e somente baratas circulam no farelo. Reparem: não tenho culpa. Não fiz nada para ser sobrevivente. Não roguei aos altos poderes que me conservassem tanto tempo. Não matei nenhum dos companheiros. Se não saí violentamente, se me deixei ficar ficar ficar, foi sem segunda intenção.largaram-me aqui, eis tudo." (Drummond)



Um comentário:

Unknown disse...

é tão orgástico ler seus símbolos PH - não consigo evitar ter esse tipo de relacionamento com suas palavras...rs.
vire mesas, copos, jogos, faça o que você se pega pensando - não acredito que fiz isso!!! não sei se serve de algo útil, mas que vc vai ganhar um novo tipo de diverção, ah... isso vai =) forte abraço amigo!

(...)

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