sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Sem título

O homem adulto que é empurrado do alto do penhasco das possibilidade chega ao chão a criança, o garoto assustado que fui. Joelhos ralados, sem unha no dedão do pé, nariz escorrendo. É tudo tão frágil e eu todo tão fraco. 

A verdade é que o homem que fui preservou sempre a esperança de tornar todo aspecto trágico de nós uma epopéia heróica. Havia essa esperança de que na parede de fundo do nosso beco sem saída desenhássemos juntos uma porta e passássemos por ela. Não foi possível. Faltaram os recursos, os insumos e algum talento, talvez. Um talento para a com-posição que agora me cobra o preço de um mundo inteiro. 

No fim, eu estendia mãos para apertos de mão, abria braços pra abraços, fazia bico para beijos e me despia para sexos, e você nunca passava pela porta a pedir que eu ficasse, que eu não tomasse vôos, que eu não fizesse malas, você nunca conseguiu me salvar do desespero dos momentos em que minha esperança mancava. Você sempre foi um cúmplice racional da desistência, e eu o incoerente desesperado dando tudo por nós. Perdão por isso. Não era minha intenção nos arrastar ao ponto da escoriação. Talvez o tenha feito. Talvez em breve o saiba melhor. Mas é que éramos tudo, e tanto, e tão fortes, e tão grandes e tantas eram as possibilidades de felicidade, mas talvez elas sejam mesmo "egoístas, meu amor". 

Por fim meu pequeno coração de criança de joelhos ralados jaz em frangalhos à espera do tempo e de seu trabalho sujo. 

O amor não é escolha. 
É falta de escolha. 
E a mim, 
só, 
me resta. 

Phelipe Ribeiro Veiga
Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2023. 10h14

"ainda tem você na sala" - Adriana Calcanhotto



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