domingo, 20 de agosto de 2023

Sobre o desajeito e as formas de amar.




Muito se fala de como o amor é o mais belo dos sentimentos. Fala-se de valorizar o amor. De sua raridade. De não deixa-lo escapar. De se brigar por ele. Quando o que mais importa é a forma com que se ama ou se é amado. O encontro com o amor se faz épico ou trágico a depender do modo como se dá esse encontro.

Afinal, faz menos estrago um inimigo que nos odeia de maneira ética do que um amante que nos ama de modo desajeitado. É grave a coisa do desajeito. É um bicho em forma de comportamento que deforma qualquer sentimento. É perdoável que às vezes ele advenha da falta de prática, da inexperiência ou até da incompetência. E é verdade também que há por aí os bem intencionados incapazes da busca por se amar bem, e que deus nos proteja desses pequenos monstrinhos inimputáveis. Destes não nos restará sequer o direito de nos ressentirmos. Eles não tem culpa de nascerem assim. 

Mas como diferenciar a ignorância como condição da ignorância como adesão em forma de álibi e estratégia para obtenção de seus consequentes privilégios? Da ignorância como um tipo de anistia a que se apela para não se ajeitar no seu modo de amar? Há esse caso em que um certo tipo de índole configura uma postura indolente, não zelosa e preguiçosa diante do labor cansativo advindo desse compromisso estruturante do encontro saudável de dois (ou mais), que é o bem viver. É a preguiça que, acumulada, se desvela num desmerecimento absoluto. Quem tem preguiça de amar de um jeito bom não mereceria ser amado de jeito nenhum. Para a  sorte destes (e para o azar de muitos) o amor não é questão de mérito.

Fato é que sem dedicarmos tempo a reconhecermos no amor uma forma, podemos estar apoiando a vida num pedregulho cortante, ou perdendo a possibilidade de amarmos melhor. Há que se compor. Há que se esculpir com suor e esforço, o que se apresente digno de mútua contemplação. E é essencial que se goste de como se gosta e de como se é gostado. Faz sentido admirar-se e respeitar-se enquanto sujeito que ama da melhor maneira que consegue. Isso nos condiciona também enquanto recebedores do amor de outros. Além disso, importa olhar pro amor que se faz junto e esboçar um suado sorriso de satisfação. Um gozo que alimenta a gente de uma certa fome que reside em algum lugar que fica entre a nossa pele e o resto do mundo. 

Porque o amor é para isso. Para contemplação e saciedade dessa fome estranha que parece nascer com a gente. Uma urgência de pertencer e de se aconchegar. Feito uma busca por um novo útero que nos caiba de algum modo. Um refúgio para esse "por enquanto" a que chamamos vida. O problema das fomes é a condição na qual elas se dão. A depender do tamanho da fome, migalhas se tornam banquetes. A depender do desespero por aconchego, um pedregulho pode se confundir com obra de arte abstrata só pra gente arranjar no quê se apoiar. E com o tempo a gente se acostuma às dietas mais indignas e às posições mais desconfortáveis. 

Umas vez o escultor disse que a maneira mais rápida de descobrir as partes essenciais de uma escultura era empurrá-la de um penhasco. Eu diria que quem chega ao ponto de empurrar penhasco abaixo o que tão duramente custou esculpir, pode ser que não compreenda o árduo trabalho de amar. É a forma a que se deve valorizar, e é pela forma que devemos lutar. Quem atira o amor morro abaixo para descobrir o quê de essencial há, ou é por que o essencial já se perdeu de vista, ou porque talvez nunca tenha estado ali, ou ainda porque é mesmo só mais um desajeitado. 

20 de agosto de 2023. 21h52
Phelipe R Veiga





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