segunda-feira, 29 de março de 2021

Sobre a árvore que nasceu ao contrário.




Uma árvore nasceu pela última folha.

Um risco no ar a alguns metros de altura do chão. Uma linha verde no céu azul.
Abriu-se no ar feito flor. De sua ponta inferior nasceu fino e a se engrossar o primeiro galho. Assim a árvore vem se desenhando folha após folha, galho após galho de cima pra baixo. Descendente, chacoalha o vento seus ramos recém desabrochados enquanto corre em direção ao solo sonhando em construir raízes a partir das quais se possa nutrir e, por meio delas, se agarrar ao chão e se salvar de ser levada por uma brisa qualquer. Enquanto cresce, vaga ao sabor da brisa. Árvore à deriva.
Colhe luz do sol mas seu processo de alimentação está inacabado. É inundada de energia mas não sabe bem o que fazer com ela. Se dissipa. Puxa do nada água e não vem. Não há raiz. Os ramos se esticam de fora pra dentro. É, ao menos por enquanto, uma árvore estranha e solitária sob a qual ninguém se senta e na qual nenhum pássaro faz casa. 
Decresce enquanto cresce e por vezes perde folhas e murcha aqui e acolá antes mesmo de encontrar o resto paleontológico do que será um dia sua semente. Cresce como se a própria gravidade trabalhasse em parceria para realizar seu sonho de enraizar-se, sua ânsia por encontrar o lugar de onde deveria ter começado mas que para ela será seu destino final.  

O que lhe resta é suportar a dor de ter começado pelo fim, de se fazer de fora pra dentro, de se passar toda uma vida flutuando por aí e suportando o peso dos ramos sem raiz que a nutra ou a sustente.
Mas resta também o alívio por ter se começado verde folha e não lenha queimada. 
Haverá! 

Phelipe Ribeiro Veiga
29 de março de 2021


Um comentário:

Sonia Veiga disse...

Saudades do poetinha vagabundo.....

(...)

Eu vi uma casa se despir. Era uma despedida. Se despia dos quadros das paredes e exibia as marcas do tempo como um corpo que, após usar por ...