quarta-feira, 17 de março de 2021

Sobre as tolices.




E se eu tivesse faltado o trabalho naquele dia? Me demorado mais na cama, teria evitado aquela discussão? Aquele virar a esquina para nunca mais? Desapareceria essa gigantesca cicatriz que carrego no peito?

E se eu tivesse respondido, cortante, que sim? Se eu tivesse aberto as porteiras do peito e deixado correr livre a minha vontade de brigar pelo que queria sem medo? Pra onde eu teria me levado a partir dali? Quão diferente teria sido? Eu perderia o voo? Perderia todos os voos? 

E se eu tivesse sido sincero desde o primeiro instante? Se eu tivesse contato a verdade sobre a primeira mentira, teria evitado todas as outras? Teria eu vivido uma vida onde eu julgasse merecer mais a felicidade e menos a desfortuna? 

Mas e se eu tivesse conseguido me desatar no primeiro momento de descontentamento das esperanças nunca realizadas que me roubaram tanto tempo? Se eu tivesse desacreditado mais cedo de qualquer milagre? Teria eu virado ateu desses manipansos ocos a tempo? O que teria visto do mundo? O que teria deixado de ver?  

Os eventos estão sempre por um fio e é sobre ele que eu me equilibro. E me desequilibra o peso dos tolos arrependimentos de não ter sido capaz de ser quem nunca fui capaz de ser. Tolice é acreditar que arrepender-se muda uma coisa qualquer. Mais um desses mitos bíblicos que nos complicam a vida, nos amarram os cadarços e nos imobilizam. Tropeço nos meus próprios pés marcados por chagas cristãs, ainda hoje. O rio nunca para de correr mas está  sempre no mesmo lugar. 

Phelipe Ribeiro Veiga        
17 de março de 2021 - 21h50

"A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios." (Fernando Pessoa) 



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